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    Joel Pinheiro da Fonseca

    Propostas de Marine Le Pen parecem as da esquerda latino-americana

    25/04/2017 02h00

    O resultado da eleição francesa é notável acima de tudo pelo que simboliza acerca dos rumos da política ocidental: a derrocada da esquerda tradicional e a ascensão do nacionalismo.

    O candidato vitorioso, Emmanuel Macron, é jovem, centrista, bem sucedido no mercado financeiro e otimista. Seria adorado no Brasil. Talvez seja mais imagem do que substância, mas é uma imagem positiva. Modernidade, eficiência, abertura. Ainda que não reforme o sistema, está longe de encarnar seus piores vícios e pode trazer algum bem.

    Charles Platiau /Reuters
    Marine Le Pen, candidata da Frente Nacional à Presidência da França, vota no domingo
    Marine Le Pen, candidata da Frente Nacional à Presidência da França, vota no domingo

    Marine Le Pen, do Front National, representa algo bastante negativo e, para piorar, não fica só na aparência. Sua eleição significará a saída da União Europeia, dirigismo estatal e xenofobia.

    As propostas econômicas da tal extrema direita francesa são muito próximas da esquerda latino-americana: controle de preços, proteção à indústria e agricultura nacionais, emissão de moeda, expansão do assistencialismo e combate às forças perigosíssimas do capital.

    É natural, portanto, que o candidato derrotado de extrema esquerda, Jean-Luc Mélenchon, que dias atrás elogiou a ditadura de Maduro na Venezuela, tenha sido o único a não anunciar apoio imediato a Macron no segundo turno. O perigo de Le Pen, contudo, é ainda mais profundo.

    A Europa moderna se funda sobre os valores do iluminismo: racionalidade, liberdade individual e governo representativo. Uma consequência dessa visão é a de que os interesses dos povos caminham juntos. Comércio, ciência e diplomacia beneficiam a todos, trazendo qualidade de vida, progresso e paz.

    Le Pen é a escolha pelo fechamento nacionalista e étnico ao invés da universalidade da razão iluminista. Nessa visão, os interesses dos povos são antagônicos: o ganho de um é a perda do outro. O poder nu e cru, e não a razão, deve pautar as relações. Internamente, subjugação do indivíduo ao Estado; externamente, hostilidade constante. Alinha-se não com o Ocidente, mas com a Rússia de Vladimir Putin.

    A maioria dos franceses provavelmente não vê o mundo dessa maneira. Mas uma mistura de incerteza econômica, resistência aos piores aspectos da União Europeia e à imigração em massa dão votos para Le Pen.

    Essas insatisfações têm motivo. A França cresce pouco e o desemprego é alto. A sanha controladora e burocratizante da União Europeia conquista, com razão, a antipatia crescente dos europeus. E os problemas da imigração e do multiculturalismo em um mundo de terrorismo islâmico são inegáveis.

    Le Pen não resolverá esses problemas. Os 5% de muçulmanos não sairão da França. Serão apenas mais hostilizados e, portanto, mais propensos à radicalização; e a França continuará precisando de novos imigrantes.

    O fim da UE —que mesmo com todos os defeitos é uma tentativa bem-sucedida de integração econômica— trará recessão e mais desemprego. Pior de tudo, colocará em risco aquilo que hoje damos ingenuamente por garantido, e que é na verdade uma conquista recente e frágil: a paz na Europa.

    Felizmente, assim como seu pai Jean-Marie Le Pen em 2002, que chegou ao segundo turno, Marine deve perder. As pesquisas —as mesmas que acertaram o resultado no primeiro turno— dão vitória para Macron. A razão aponta para o melhor resultado. O problema é que, atualmente, a razão nem sempre tem acertado.

    joel pinheiro da fonseca

    É economista formado pelo Insper e mestre em filosofia pela USP. É palestrante ativo do movimento liberal brasileiro. Escreve às terças.

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