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    Joel Pinheiro da Fonseca

    Guerra de versões sobre greve impede discussão serena das reformas

    02/05/2017 02h00

    Nelson Antoine/Folhapress
    Movimentos sociais e trabalhadores se concentraram no Largo da Batata, em São Paulo
    Movimentos sociais e trabalhadores se concentraram no Largo da Batata, em São Paulo

    O que se viu na sexta-feira (28) não foi greve geral; foi uma paralisação pontual sem maiores efeitos para o sistema ou mudança no governo. As centrais sindicais, para defender sua contribuição obrigatória, lideraram uma corajosa emenda de feriado.

    A cena nas ruas foi triste: manifestações pífias e violentas. Vias bloqueadas, pneus queimados. Piores ainda foram os atos de violência direta, como membros da CUT agredindo fisicamente trabalhadores e usuários do aeroporto Santos Dumont, no Rio. Em São Paulo, protestos frustrados na tentativa de invadir a casa do presidente deixaram seu rastro de depredação. (Menção desonrosa também para a violência policial.) A tal greve foi um fracasso.

    Isso foi o que eu vi. Mas eis que, para muitos dos apoiadores, a greve foi um sucesso retumbante que sacudiu o país. Pouca gente na rua? Isso não importa, jamais foi o objetivo. O propósito era parar a sociedade e, segundo estimativa da CUT, 35 milhões de pessoas não foram trabalhar.

    Assim fica fácil. Agora a pergunta inconveniente: dos milhões que não trabalharam, quantos aderiram à greve, quantos foram impedidos pela falta de transporte, quantos foram intimidados por grevistas agressivos e quantos simplesmente decidiram curtir o feriado? Os turistas em massa que invadiram Campos do Jordão um dia mais cedo contam como bravos guerreiros do "Fora, Temer"?

    Seja como for, uma coisa está clara e não é de hoje: não existe o menor consenso sobre como medir o sucesso ou o fracasso de atos públicos. Nem mesmo uma metodologia para averiguar os fatos mais básicos conseguimos consolidar. Organizadores estimam 1,3 milhão de pessoas nas ruas na sexta-feira por todo o Brasil; a PM estima 97 mil. Ambos estão na mídia. É o vale-tudo. Nesse caso, a preocupação com a verdade cede à política; os fatos, à opinião pública, que também não é fácil de medir.

    Um jeito é olhar para as redes sociais. Segundo o levantamento do Ranking dos Influenciadores Políticos, da "Gazeta do Povo" (PR), políticos e influenciadores fizeram 240 posts sobre a greve entre quinta e sexta-feira no Facebook. Desses, 154 foram pró-greve e tiveram cerca de 54 mil compartilhamentos. Os restantes 86 foram contra a greve e tiveram quase 223 mil compartilhamentos. Vitória clara dos antigreve.

    Ainda assim, outro recorte de influenciadores ou outra metodologia (como as hashtags mais populares do Twitter) geraria resultados diferentes, todos eles manipuláveis. Há evidência de que a hashtag antigreve (#AGreveFracassou) usou serviços pagos na Índia para se promover. E isso nada diz sobre a direção do movimento: supondo que os pró-greve saíram de uma base menor, será que a tal "greve geral" os ajudou ou prejudicou?

    Não sabemos os fatos, e "tudo bem", porque o que importa é o impacto. Também não temos ideia clara do impacto. Então, resta a cada lado repisar sua narrativa na esperança de que ela prevaleça sobre uma suposta massa de indecisos. A discussão serena das questões (neste caso, as reformas) é chutada para escanteio.

    Eu suspeito que muita gente não se sente representada nessa guerra de lama cujo efeito mais previsível será nos levar a uma espécie de Bolsonaro versus Lula (sem paz e amor) em 2018. A politização crescente da vida social leva à corrosão do que a política poderia ser.

    joel pinheiro da fonseca

    É economista formado pelo Insper e mestre em filosofia pela USP. É palestrante ativo do movimento liberal brasileiro. Escreve às terças.

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