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    Joel Pinheiro da Fonseca

    Racismo no Brasil é real, mas não se manifesta como ódio racial

    15/08/2017 02h00

    Alejandro Alvarez/Reuters
    White nationalists carry torches around a statue of Thomas Jefferson on the grounds of the University of Virginia, on the eve of a planned Unite The Right rally in Charlottesville, Virginia, U.S. August 11, 2017. Picture taken August 11, 2017. Alejandro Alvarez/News2Share via REUTERS. MANDATORY CREDIT. NO RESALES. NO ARCHIVES ORG XMIT: TOR500
    Supremacistas brancos carregam tochas em Charlottesville, na Virginia, em 11 de agosto

    Os protestos racistas que ocorreram em Charlottesville, no Estado da Virgínia, nos EUA, nos chocam não pelo tamanho, mas pela repugnância. Segundo as estimativas da mídia, os manifestantes não passaram das centenas, mas seu discurso rodou o mundo. É a face mais detestável da chamada "alt-right", ou direita alternativa; não que ela careça de aspectos detestáveis...

    O grupo é uma franja minoritária nos EUA. Não representa o grosso da direita americana. Pelo contrário, tem visões opostas: em vez de um governo limitado pela Constituição e baseado em valores universais e direitos individuais, defende uma autocracia étnico-racial que proteja a coletividade branca contra seus supostos inimigos.

    Na verdade, conservadores tradicionais são um dos alvos favoritos da retórica virulenta dos "alt-righters". Um punhado que no total não deve passar de algumas dezenas de milhares faz um barulho descomunal na internet e, por isso, é tratado como uma força política maior do que é. Além disso, o racismo ideológico nos EUA existe de longa data e, sob Trump, está mais ousado.

    Em meio a tanta coisa ruim no Brasil, ao menos isso podemos dizer: esse protesto é impensável por aqui. O racismo no Brasil é real, mas não se manifesta como ódio racial. Não temos, nem historicamente, nem no presente, grupos de supremacistas brancos ou racistas com qualquer relevância. Nossa mistura das raças produziu uma realidade diferente da americana.

    Quando mesmo grupos neonazistas brasileiros contam com mestiços em suas fileiras, fica clara sua inviabilidade. A biologia impõe limites à ideologia.

    Mas há uma outra característica dos EUA que também causa surpresa: o protesto dos racistas não era ilegal. Mesmo com toda a polêmica gerada, a chance de a garantia legal à liberdade de expressão ser sequer tocada é zero. A lei está acima das paixões do momento.

    O combate ao racismo, que no longo prazo tem sido vitorioso, não ocorre nos tribunais e nem com prisões. Permite-se que as opiniões –mesmo as que consideramos mais detestáveis– sejam expressas publicamente. Isso obriga que mesmo as opiniões corretas tenham que se munir de argumentos para se sustentar. E essa necessidade está dando um choque bem-vindo ao mainstream, que agora se dá conta de que a intimidação é incapaz de vencer uma proposta equivocada ou mesmo odiosa.

    Por aqui, a liberdade de expressão é mais precária. O primeiro impulso de muita gente diante de opiniões que julgam ofensivas é proibir, multar ou prender. A cultura é mais de processos do que de argumentos. Ficamos complacentes na certeza de que o Estado está aí para impedir ideias más de se alastrarem. A opinião criminalizada se transforma em mártir e enfraquece nossas melhores defesas.

    No plano das ideias, somos um país despreparado. Nossa força reside justamente em não levar as ideias tão a sério. Não cederemos à insanidade da "alt-right" (que já tem porta-vozes por aqui) e nem da esquerda totalitária. O que nos une é mais forte do que o ódio de classes ou de raças. Mas isso não nos exime de buscar entender o que fortalece esse ódio e, quando tivermos de confrontá-lo, ter algo além da indignação moral perante a existência daquilo que nos afronta.

    joel pinheiro da fonseca

    É economista formado pelo Insper e mestre em filosofia pela USP. É palestrante ativo do movimento liberal brasileiro. Escreve às terças.

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