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    Joel Pinheiro da Fonseca

    Confisco de queijos traz à tona caráter disfuncional da Vigilância Sanitária

    19/09/2017 02h00

    O confisco dos queijos e charcutaria artesanal da chef Roberta Sudbrack em seu estande no Rock in Rio trouxe à tona o caráter disfuncional da Vigilância Sanitária brasileira. 160 kg de alimentos dentro da validade jogados no lixo. Tudo pela falta de um carimbo.

    Nossa Vigilância, que joga sobre pequenos produtores as mesmas exigências da grande indústria, comete injustiças sistemáticas. A situação é tão ridícula que temos queijos nacionais premiados na Europa que não podem ser comercializados livremente dentro do Brasil. Circulam na base de contatos clandestinos, como se fosse tráfico de drogas.

    Em alguns casos, o desfecho é trágico. Em 2016, um pequeno queijeiro de Goiânia teve toda a sua produção confiscada. Embora fosse produtor reconhecido na sua comunidade, isso não importava; o carimbo estatal fala mais alto do que a realidade. Com o negócio arruinado, cometeu suicídio. Ser a favor do aparato fiscalizatório e das regras atuais é defender que tragédias como essa continuem a ocorrer.

    É fácil para um produtor em larga escala, industrial, se adequar a exigências estritas (criadas com auxílio da própria indústria). Se der algum problema, há os contatinhos no governo; JBS não nos deixa esquecer. Para o pequeno produtor –seja um queijeiro artesanal ou um restaurante de bairro– resta apenas ser soterrado pela burocracia. A produção artesanal e o micronegócio de maneira geral só resistem no Brasil graças à informalidade. O jeitinho brasileiro que todos condenam funciona como solução imperfeita para regras ruins.

    Reprodução/Facebook
    Queijos da chef Roberta Sudbrack que foram barrados pela Vigilância Sanitária no Rock in Rio
    Queijos da chef Roberta Sudbrack, barrados pela Vigilância Sanitária no Rock in Rio

    Por trás desse amor por certificados e carimbos está uma incapacidade das cabeças burocráticas em lidar com o risco. Mesmo sabendo que o queijo e o salame careciam de um selo estatal, muitos os consumiriam sem problema nenhum; confiam mais na chef estrelada do Michelin do que na Vigilância Sanitária.

    São Paulo foi, anos atrás, palco de uma guerra inglória da prefeitura contra o vinagrete de feira. Criou-se um mercado negro. Os consumidores estavam dispostos a arriscar, indo contra a lei que supostamente os protegia. Ou seja, segurança não é tudo; é apenas uma consideração entre tantas outras, e não necessariamente a mais importante.

    No mundo ideal de nossos burocratas, todos os alimentos no Brasil sairiam de grandes fábricas rumo às redes de supermercado e fast food. Tudo padronizado, industrializado, pasteurizado, organizado, previsível. O queijo do McDonald's é preferível aos sabores tradicionais e locais brasileiros.

    Não precisa ser assim. A Vigilância Sanitária deveria entender como funcionam os diferentes mercados, coibir os excessos mais perigosos e auxiliar produtores e consumidores com informação. Da forma que é hoje, em vez de ajudar o produtor a crescer e, conforme expanda seu mercado, adotar práticas melhores (e mais custosas), ela o aterroriza e elimina na largada, impondo-lhe um modelo ideal sonhado em gabinete.

    Um dia policiais confiscam quadros. No outro, juiz cancela peça de teatro. Escultura de areia em Copacabana é destruída porque licença do artista expirou. Fiscais jogam comida artesanal no lixo. É o Estado brasileiro, em várias frentes, amordaçando e proibindo nossa cultura. Me preocupa mais quem aplaude essa crueldade do que quem burla regras insanas para criar e ser feliz.

    joel pinheiro da fonseca

    É economista formado pelo Insper e mestre em filosofia pela USP. É palestrante ativo do movimento liberal brasileiro. Escreve às terças.

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