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    Jorge Coli

    Brasil e o impressionismo

    25/06/2017 02h00

    Divulgação
    "Marinha" (1898), de Giovanni Battista Castagneto
    "Marinha" (1898), de Giovanni Battista Castagneto

    Uma conjunção ou uma preposição podem mudar tudo. O título da exposição em cartaz até 27/8 no MAM-SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo) é justo: "O Impressionismo e o Brasil". Porque "O Impressionismo no Brasil" –como se diz "O Romantismo no Brasil"– não seria legítimo.

    Os românticos brasileiros constituíram um verdadeiro movimento, com força expressiva e enorme incidência cultural. Nesse sentido, não houve entre nós um impressionismo, mas práticas impressionistas por alguns artistas, episódicas e incorporadas com maior ou menor rigor, bem tardiamente.

    O impressionismo nasceu em Paris, no ano de 1874, com a exposição que consagrou o nome do movimento. Depois de um primeiro desencontro com o público –escárnio de jornalistas, risadas dos visitantes–, não demorou em ser reconhecido e tornar-se um favorito.

    Os preços foram para a estratosfera, e os colecionadores gostavam desses quadros pequenos, culturalmente neutros pelos temas (naturezas mortas e paisagens, na maioria), ideais para pendurar na sala de estar ou de jantar. "Com o impressionismo, a burguesia encontrou sua frase", escreveu Gaëtan Picon, num livro capital: "1863, Naissance de la Peinture Moderne" (nascimento da pintura moderna).

    Logo, porém, o movimento deu sinais de se esgotar, e aquilo que representa sua marca mais conhecida e essencial –a da execução ao ar livre– foi abandonada. A arte moderna voltou a ser mental e fabricada em ateliê.

    O sucesso de público, no entanto, engendrou sucessores tardios e discretos. É aí que ocorreu a incidência internacional, em particular no Brasil. O impressionismo heroico e subversivo dos primeiros tempos já se encerrara. Deu lugar a um impressionismo bem comportado e mesmo institucional: no Rio de Janeiro, Georgina de Albuquerque, uma de suas praticantes brasileiras mais conhecidas, ensinava seus alunos, na Escola Nacional de Belas Artes, em que foi professora e diretora, a pintar "impressionista".

    A exposição do MAM-SP, com âmbito limitado, tem também o mérito de reunir obras muito belas e de provocar questões num domínio pouco estudado. Seu principal defeito, creio, é a ausência de um catálogo. Mostras como essa têm um escopo original. Que elas produzam um instrumento servindo à pesquisa e ao conhecimento não é nada supérfluo.

    Catálogos, é pena, são raros no Brasil. Por exemplo, no próprio Ibirapuera, bem em frente ao MAM, o fenomenal conjunto da coleção Itaú apresentado na Oca –tão prodigioso que clama, com urgência, por um museu permanente que o abrigue– também ignorou o catálogo. Podem-se arguir custos, crise etc. Mas, no orçamento de projetos assim, é bem possível acomodar a produção de um catálogo. Basta para isso inseri-lo nas prioridades.

    Há textos e cronogramas nas paredes do MAM que insistem sobre a velha relação de causalidade entre a produção industrial das tintas em tubos e o desabrochar do movimento. Essa relação talvez pudesse ser apresentada pelo menos com matizes.

    Esse é um ponto menor. Questão mais significante é o conjunto das obras. Estão lá Antônio Parreiras, Nicolao Antonio Facchinetti, Giovanni Battista Castagneto, Georgina e seu marido Lucílio de Albuquerque, uma estupenda sequência dos irmãos Timótheo da Costa. Talvez houvesse a possibilidade de inserir outros. Benedito Calixto, que praticou pintura ao ar livre com finíssima sensibilidade para a luz, ou Anita Malfatti, no período posterior ao momento modernista, poderiam estar lá, nutrindo boas reflexões.

    Antes dos pintores brasileiros, a exposição apresenta obras de Renoir vindas do MASP. São retratos, em sua grande maioria. Esse preâmbulo articula-se mal com o resto, constituído, sobretudo, por paisagens. Ora, haveria outras possibilidades. Assim, alguns colecionadores históricos poderiam ser levados em conta.

    Lembro apenas duas doações maiores. A primeira, feita pelo barão e pela baronesa de São Joaquim ao Museu Nacional de Belas Artes, em 1922. Nela estão 20 fabulosos Boudin e uma soberba marinha de Sisley. A segunda data de 1949: entre as 130 obras doadas pelo comendador José Manuel de Azevedo Marques à Pinacoteca do Estado de São Paulo, encontram-se vários quadros relevantes de impressionistas franceses tardios, equivalentes, por exemplo, ao casal Albuquerque, no Brasil. As cenas de praia de Dupuy, as paisagens de Biessy, pintores que o comendador tanto admirava, seriam pertinentes na comparação com os brasileiros contemporâneos.

    Às qualidades dessa mostra –dentre as quais a excelente escolha das obras– acrescenta-se, assim, mais outra. Ela levantou a lebre de um formidável estudo ainda por ser feito: o impressionismo e o Brasil.

    jorge coli

    É professor titular de história da arte na Unicamp e autor de "O Corpo da Liberdade" (Cosac Naify). Escreve aos domingos, uma vez por mês.

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