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    José Luiz Portella

    Brasileiro não é bonzinho

    09/05/2013 03h00

    É doce viver no mar. Com sol, alegria e solidariedade. Mas, depois da festa, nem tudo são flores.

    Jacqueline, uma francesa típica, olhos azuis, loira. Magra com rosto fino e nariz afilado, fugiu do desemprego e veio parar no Brasil. É do tipo que se vira. Está sobrevivendo bem dando aulas de francês. Não quer deixar o país tão cedo.

    "Aqui tem sol, luz, alegria de viver".

    Para ela, a Europa está velha, cinza e triste. Sem emprego, os jovens não iluminam a noite com o vigor de antes.

    Esta é uma armadilha. Porque é uma verdade que esconde a nossa face B. O Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getulio Vargas fez recentemente pesquisa sobre o Índice de Percepção do Cumprimento da Lei no Brasil. Realizou-a em oito Estados, com cidadãos de 18 anos ou mais, que somam 55% da população brasileira: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Amazonas e Distrito Federal.

    A lei é só referência; não uma obrigação a cumprir. Há um estágio anterior em que o brasileiro avalia se deve ou não segui-la. E outro, mais complicado, em que afirma uma coisa e faz outra.

    A questão não é só de "jeitinho", que sempre parece uma esperteza aceitável, engraçada e sutil. É pior. Uma máscara nos separa do que realmente somos.

    Gabriela Carvalho
    Paulistana atravessa a rua fora da faixa de pedestre
    Paulistana atravessa a rua fora da faixa de pedestre

    Somos um dos países mais violentos. Consumimos calmantes demais e muita droga. Temos um dos mais altos índices de violência doméstica. Em casa, não tem jeitinho: escreveu, não leu, o pau comeu. As agressões à esposa são acima da média.

    A violência no trânsito também entra naquele rótulo que o nosso complexo de vira-lata adora arrostar na hora de contar vantagem: os maiores do mundo (estamos entre eles).

    Na pesquisa da GV, 91% cravaram ser errado comprar CD pirata, mas 60% compram; 72% atravessam fora da faixa de pedestre, mas só 52% acreditam na possibilidade de uma punição; 78% creem poder ser punidos por estacionarem em local proibido, por isso, muitos se arriscam; 99% acham errado (ou muito errado) dirigir alcoolizado: 21% não creem que sequer sejam punidos e 88% esperam desaprovação por tal ato.

    Ou seja, a grande maioria sabe que está errada, sabe que será desaprovada pela sociedade, que pode ser punido. Ainda sim, muita gente entra nessa.

    Xará da nossa Jacqueline que fugiu da França e ama o calor solar e humano brasileiros, há tempos existiu a Jacqueline Myrna, personagem do humorístico "Times Square", da extinta TV Excelsior. Loira também, cabelos compridos, bonita e desejada, era coberta de favores pelos "pegadores" de plantão que queriam seduzi-la. Ingênua, repetia o bordão: "O brasileiro é muito bonzinho".

    A Copa de 2014 vai atrair muitos turistas embalados pelo nosso mito cordial. Pelo que estamos deixando de (des)legado para a Copa e pelo que rola nas vans do Rio e nas ruas de São Paulo, melhor conhecermos mais a nós mesmos.

    O país do "Carnaval, samba, suor e cerveja" não é tão doce assim. Brasileiro pode ser simpático. Mas, não é bonzinho.

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