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    José Luiz Portella

    A escolha de nossos jovens

    30/05/2013 03h00

    Uma limousine para diante de uma escola de classe média, média alta. Para causarem boa impressão nas colegas, nove jovens entre 10 e 11 anos, uma delas a aniversariante, embarcam no veículo de luxo e se dirigem a um spa.

    Só nove amigas são escolhidas para compartilharem o natalício, enquanto o resto vira auditório da retirada, em grande estilo, na limousine.

    No spa, primeiro, mergulham em "ofurô" cheio de água com chocolate. Depois de se divertirem, vão passar o resto da tarde fazendo a unha, os cabelos e recebendo massagens.

    O aniversário com todos em um bufê foi excluído da lista. Ir a um local aberto da cidade, com toda turma, nem se pensou.

    Wilson Levy é um mestre em Direito pela USP, assistente-jurídico do Tribunal de Justiça, que irá fazer doutorado em Direito Urbanístico, na contramão da maioria, que prefere outras áreas.

    Poucos se dedicam a cuidar dos direitos das pessoas nas cidades.

    SXC
    Jovens preferem se encontrar em espaços gourmet
    Jovens preferem se encontrar em espaços gourmet

    Ele observou que seus colegas jovens preferem morar mais distante do trabalho, mesmo com o caos do trânsito, desde que se instalem em apartamentos novos, com apresentação das dependências em inglês e francês, onde se destaca o ascendente "espaço gourmet", local para se "fazer comida" para um grupo de amigos.

    Fui checar com o mercado imobiliário que confirmou tal preferência. Jovens, no início de carreira, que já podem comprar seus imóveis, optam por mais trânsito, mais horas no carro ou no transporte, para terem um apartamento mais bonito e com espaço social.

    Tanto as meninas, que preferem a exposição, quanto a turma do espaço gourmet, na prática, estão fugindo da rua, do convívio em bares, parques e locais de lazer, para se enfurnarem em locais cada vez mais restritos.

    É a tendência. Infelizmente.

    A ideia é que a rua é perigosa e que aproveitar a vida, além de ser melhor em lugares fechados, passa direto por estar com grupos restritos.

    É a negação da ideia das cidades.

    As cidades foram criadas para aproximar as pessoas. Para facilitarem o emprego, estimularem o compartilhamento. O tal "Triunfo das cidades", decantado em prosa e verso pelo acadêmico de Harvard, Edward Glaeser, repousa nessa aproximação que facilita a qualidade de vida.

    Ele é uma espécie de tese de que a consolidação das cidades deu mais progresso e felicidade ao homem.

    Pois é, estamos nos encaminhando na direção contrária. As ruas tornam-se grandes vias só de passagem. O prazer é curtido, cada vez mais, a quatro paredes. Quanto menos gente, selecionada a dedo, melhor.

    Ao não enxergarmos o tamanho dessa grave patologia, sem perceber, aceleramos o processo.

    Duvido que esses jovens, no fundo, tenham se dado conta do movimento que estão ajudando a catalisar. Para entender isso (e Wilson Levy está na direção certa), é preciso entender: mais que equipamentos e uma enorme legislação, em grande parte não respeitada, é preciso direitos que garantam a posse e o usufruto da cidade.

    São questões intangíveis, fundamentais, como andar sem susto pelas ruas. E poder permanecer nelas sem arrastões, sem riscos. É mais escolher uma forma de viver do que se adequar a equipamentos.

    Não é fácil fazê-lo quando se atinge o estágio a que chegamos. Por isso, é primordial que se faça rápido, correndo. Com determinação.

    Para não acabarmos todos em um espaço gourmet mais perto de Sorocaba, Diadema, Mogi ou Jundiaí, do que de um bar em calçada da Avenida Paulista.

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