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    José Luiz Portella

    Movimento Passe Livre no passo errado

    13/06/2013 03h00

    Há muito tempo não se reunia tanta gente para uma manifestação. Começou com duas mil e, na terça, segundo a PM, chegou a cinco mil pessoas. Movimentos anteriores por causa melhores chegaram, quando muito, a três centenas de integrantes.

    É fundamental haver um espírito crítico. Principalmente na juventude. E que ele pressione por mudanças. Mesmo quando elas são difíceis. Ninguém é imune à pressão e ela serve para que o poder público se mobilize. Poder público no conforto, a coisa não avança na velocidade necessária.

    O Brasil já amadureceu o suficiente para saber que toda manifestação é um direito de expressão que deve ser respeitado. A questão é a forma como é feito. No caso do "Movimento Passe Livre" há dois equívocos cruciais que o conduzem para o Passo Errado.

    Perder o foco correto faz toda a diferença. Desperdiça-se toda a energia de reivindicação, necessária para manter a sociedade lutando por seus direitos. O erro maior é o jeito. O vandalismo não ocorre por causa da repressão da PM como dizem alguns manifestantes. Pelo que se observa, ele está no cardápio do evento. Portanto, com ou sem a repressão policial, encontrariam uma forma de aplicá-lo. Tem gente pronta para depredar (e quem não queira fazê-lo).

    O segundo erro é ter como foco a questão do valor da passagem na questão da mobilidade.

    Claro que quanto mais barato melhor, mas o orçamento é finito. Temos que fazer escolhas. A prioridade é investir em oferta: mais metrô e corredores de ônibus.

    Já existem várias coisas que ajudam a diminuir este custo:

    - Bilhete Único;

    - Meia passagem para os estudantes;

    - Vale Transportes para os trabalhadores, inclusive os domésticos - 6% sai do salário e o restante fica por conta do empregador.

    E, mais importante que tudo: felizmente, a renda dos trabalhadores tem aumentado e vivemos uma situação de quase pleno emprego.

    Nenhuma pesquisa ligada à mobilidade aponta o preço da passagem como principal problema do usuário. O problema é de oferta. Tem muita gente precisando deslocar-se e podendo pagar, mas a oferta é insuficiente. Por isso, ônibus e metrôs andam dramaticamente cheios na hora de pico.

    Almeida Rocha - 10.ago.2010/Folhapress
    Falha no circuito elétrico interrompeu circulação de trens da CPTM e lotou plataforma da estação Tatuapé do Metrô
    Falha no circuito elétrico interrompeu circulação de trens da CPTM e lotou plataforma da estação Tatuapé do Metrô

    Se o "Movimento Passe Livre" quiser usar energia para fazer a boa briga, deve escolher passos melhores. Num âmbito maior: protestar contra o sistema representativo proporcional que temos, a possibilitar que a maior parte dos representantes não precise se preocupar com a população. Com a ponta da linha. Com o eleitor.

    Porque, a cada eleição pode mudar de freguesia, buscar voto em outro lugar e fugir das cobranças. O candidato precisa de um financiador. E prestar contas a ele. Isso gera a maior parte dos males e da incongruência entre vontade do povo e comportamento dos seus representantes. É muito grave.

    Se quiserem se ater à questão da mobilidade: protestar para que o governo retire os impostos da construção de metrô (40% do custo, que é considerado alto e usado como motivo para não se investir são impostos).

    O governo desonera a compra de veículos estimulando mais carros na rua (menos mobilidade e mais poluição) e não desonera a cadeia de construção de metrô. A cada quilômetro construído, poderíamos ter 1,66 km. Agiliza bem.

    Outro bom protesto é o emprego na periferia. Tão falado e tão mal conduzido. Não são desonerações de IPTU e ISS que vão levar emprego de monte à periferia. Isso já foi tentado sem sucesso.

    É a organização de atividades da economia criativa, a economia que mexe com a criação e seus produtos. Como dar condições de trabalho (local e equipamentos, que são baratos para o governo) para grupos de costureiras, para jovens que criam "games" e outros produtos de internet, para músicos e artistas. Isso é factível. Fácil e barato. Na cidade de São Paulo a economia criativa representa 10% do PIB (que é 12% PIB do Brasil). Poderia ser mais.

    Divulgação
    Campus Party em São Paulo
    Campus Party em São Paulo

    Emprego na periferia permite, só em São Paulo, em cinco anos, tirar 500.000 pessoas do deslocamento na hora de pico. E ter horas do dia para uma vida melhor.

    O passe livre está errado. Tem gente nisso por interesse político e que busca o vandalismo. Mas tem também quem pense estar ajudando numa causa importante.

    Depredação e violência são inaceitáveis e inegociáveis.

    Com essa turma não. Desse modo não dá.

    A juventude andava desacorçoada e desmobilizada. Tem idealistas. Outros precisam vir.

    Necessitamos de utopia, de sonhos na cabeça, da vontade de mudar o mundo. Com um pé no chão.

    Acertando o foco, essa energia é fundamental.

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