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    José Luiz Portella

    Mais água no feijão

    01/08/2013 03h00

    O papa Francisco encaixou com felicidade a expressão "mais água no feijão" no pronunciamento feito na Varginha, Rio de Janeiro. Ele falava aos jovens do mundo todo e tomou emprestado o jargão brasileiro para pedir mais solidariedade. Maior acolhimento ao outro.

    Valia para todos. O exemplo vinha de um jeito brasileiro.

    Fora do Brasil, praticamente em todo lugar, os estrangeiros nos admiram pela alegria e leveza. Embora saibam das muitas carências que ainda temos, eles mostram contentamento por estarmos melhorando nosso padrão de vida. Creem que o Brasil seja um dos últimos bastiões de uma vida com calor humano.

    Somos uma espécie de esperança nesse sentido. Leon Bonaventure, belga, psicanalista formado na Sorbonne, Paris, vivendo há décadas por aqui e conhecedor de todas as mazelas que nos contemplam, garante que o Brasil ainda é um dos melhores lugares para se viver, por conta desse vínculo afetivo que gera um padrão de vida que se opõe ao "cada um por si", que é marca no mundo.

    Em Nova York, de motoristas de táxis a gerentes de estabelecimentos, de forma quase unânime, o Brasil é destacado como contraponto à solidão e a uma vida exclusivamente voltada para ganhar dinheiro e consumir. Em movimento constante e sem solidariedade. Doído, apesar da satisfação material.

    Divulgação
    Campanha "Mais calor, por favor", em Pinheiros
    Campanha "Mais calor, por favor", em Pinheiros

    Nós, o Brasil, os brasileiros, damos pouco valor a um bem que o mundo inveja. E que, apesar de intangível, tem valor imenso. Aplicamos pouco essa qualidade diferenciada.

    O maior desafio a essa aplicação é a vida nas grandes cidades. Nossas pequenas cidades têm isso de sobra. É a solidariedade que torna a vida mais agradável nesses lugares. E, muitas vezes, o que a faz suportável nos lugares mais pobres.

    As metrópoles não sabem como fazê-lo. Em vez de utilizarem essa característica brasileira para amenizarem conflitos e carências urbanas, "mais água no feijão" fica relegada a ações isoladas entre amigos e pequenos grupos, como uma ilha ou tábua de salvação diante dos desgastes cotidianos.

    Viver em cidades grandes traz a vantagem de mais oportunidades de emprego e renda. Para isso as pessoas se juntam. Por conta desse aglomerado, surge uma vida mais rica em lazer e cultura. A contrapartida é que quanto mais gente procurando ganhar a vida, mais conflitos, mais limitações de mobilidade, mais escassez de tempo. E isso torna a vida mais corrosiva.

    Com o brutal avanço da tecnologia, as pessoas se conectam mais aos seus aparelhos e ignoram as outras. Em Nova York, existe um batalhão de pessoas andando com olhar vago e monologando diante de celulares. Desconectadas do entorno. Passam pela praça sem olhar. Não enxergam os outros.

    Em São Paulo está ficando assim. Só que não temos essa vocação do "cada um por si". Existem algumas iniciativas, mas são poucas e isoladas.

    Divulgação

    Como a do "Café Compartilhado", realizada no Ekoa Café, localizado na Vila Madalena. A ideia é simples: pagar um café para um desconhecido ou aceitar um café já pago por uma outra pessoa. E também a ação "Mais calor, por favor" de alguns funcionários de um escritório na região de Pinheiros que penduraram 20 ganchos em um tapume de uma obra vizinha. Os ganchos servem de cabides para que qualquer pessoa deixe ou retire uma roupa de inverno do local. O objetivo é ajudar os moradores de rua durante os períodos de frio.

    Enquanto o papa encontra em nosso modo de ser um exemplo para o que deseja para o mundo: mais proximidade entre as pessoas, uma Igreja que encontre as ruas, desperdiçamos esse imenso capital.

    Ter a proposta de uma cidade que estimule a solidariedade, além de mitigar muito nossos desconfortos, seria um exemplo de como ter qualidade de vida em um mundo das grandes aglomerações que tende à hostilidade.

    A bicicleta, a calçada, a caminhada, pequenas praças e tantas coisas simples representam exatamente isso: a possibilidade de viver melhor em cidades grandes. Como São Paulo.
    Aplicar a simplicidade é difícil. Mas está ao alcance. É uma decisão política.

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