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    José Luiz Portella

    Mudar o mundo

    15/08/2013 03h00

    Mudar o mundo é difícil. Mesmo que se queira caminhar na direção das coisas mais óbvias e consensualmente corretas.

    A Revolução Francesa, que é um marco da Era Contemporânea (de 1789 até os dias de hoje) e encerra a Era Moderna (1453-1789) como um símbolo positivo de novos tempos, foi contestada como avanço.

    Alexis de Tocqueville, no livro "O Antigo Regime e a Revolução", esmaece o brilho e a importância da Revolução Francesa.

    Albert Hirschman, renomado cientista político e social, analisa isso com precisão em "A Retórica da Intransigência".

    Segundo Tocqueville, a Revolução não representava uma ruptura tão grande com o Antigo Regime como se apresentara. Baseado em pesquisas, Tocqueville tentou demonstrar que as conquistas vinculadas à Revolução, como a centralização administrativa e a disseminação da agricultura em pequena escala, já existiam antes de sua eclosão.

    Wikimedia Commons
    Queda da Bastilha durante a Revolução Francesa
    Queda da Bastilha durante a Revolução Francesa

    As Poor Laws inglesas, que suplementaram os salários baixos, ajudaram a assegurar a paz social e a manter a produção interna de alimentos durante as Guerras Napoleônicas, também foram atacadas.

    Hirschman descreve que grandes nomes contestaram avanços sociais baseando-se em três teses reacionárias contra as mudanças que favoreciam os mais pobres.

    Aquilo que parece claro e consensual recebe resistências inesperadas.

    Toda essa sofisticada discussão, em alto nível, feita por Hirschman e dezenas de cientistas sociais, na luta por mudar o mundo e torná-lo mais justo, pode ser revista em dois temas simples em que volto a insistir: calçadas e bicicletas.

    Simples assim.

    Cerca de um terço da população faz suas viagens de deslocamento diário a pé. Não é por falta de dinheiro para a condução. É porque o trabalho, a escola, postos de saúde e outros objetivos estão relativamente próximos de casa, sendo mais eficaz fazer o trajeto a pé. O DNA Folha 2012 aponta que cerca de 26% da população da cidade levam até 10 minutos para chegar ao trabalho.

    Para essas pessoas, o meio de mobilidade mais importante é a calçada. Bem cuidada. A elas se somam as que vão a pé de casa até o ponto de transporte coletivo mais próximo. 57 % da população levam, em média, até 30 minutos para chegar ao trabalho (DNA Folha 2012). Essas, se pudessem se deslocar por bicicletas em ciclovias ou ciclofaixas seguras, mudariam suas vidas. O trajeto não só ficaria mais rápido, como mais agradável.

    Divulgação /Prefeitura de São José dos Campos
    Calçada bem cuidada
    Calçada bem cuidada

    Depende só de fazermos muitas ciclovias, principalmente na periferia. É o caso do Jardim Helena, que não tem ciclovia e 9% dos moradores utilizam a bicicleta como meio de transporte.
    Isso não acontece só em São Paulo. Ocorre em todas as metrópoles brasileiras e grande parte do mundo. Principalmente em metrópoles pobres da Ásia e África.

    Por que não se aplica a solução? Ela vai "mudar o mundo", no sentido da mobilidade, para pessoas carentes. Pode ser pouco para quem enxerga o mundo como um todo. É muito para o dia a dia de bilhões.

    Mudar o mundo não é fácil. Até marcos consagrados, como a Revolução Francesa, encontram contestações. Até coisas simples, como calçadas e bicicletas, em toda parte do Planeta, não recebem o empurrão necessário.

    Em 1849, o jornalista francês Alphonse Karr, criou a expressão: "plus ça change, plus c´est la même chose"(quanto mais se muda, mais continua mesma coisa - em tradução livre). A ideia conformista, que resiste ao longo do tempo, é que não adianta tentar.

    Não é fácil mudar. Mas temos que continuar tentando.

    zona norte zona sul centro zona leste zona oeste
    Até 10 minutos 25% 21% 31% 26% 27%
    De 10 a 20 minutos 19% 17% 25% 14% 19%
    De 20 a 30 minutos 13% 12% 13% 10% 13%
    Fonte: DNA Folha 2012

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