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    José Luiz Portella

    Falta medir a felicidade nas cidades

    05/09/2013 03h00

    Não sabemos o que nos faz feliz onde vivemos.

    Sócrates já dizia, há 2500 anos, que o homem gosta da vida boa. Da felicidade.

    E nós ignoramos como encontrá-la.

    Não dá para construir o que não se consegue medir.

    É difícil medir felicidade.

    Há o lado objetivo, concreto, ligado a condições que podem ser medidas por índices numéricos como saúde, moradia, renda per capita, percepção de segurança, desigualdade.

    Contudo, há o lado objetivo que depende de cada pessoa e do seu respectivo projeto de vida. Duas pessoas que vivem numa mesma metrópole, são vizinhas e têm os mesmos padrões, emitem sinais diferentes de satisfação.

    De uma forma ou de outra, há inúmeras pesquisas avaliando a percepção mental de felicidade. Como cada um se sente.

    Gabriela Carvalho

    Já, a felicidade que nos relaciona com a cidade, não. O tema fica no rame-rame de sempre e limita-se a pedir mais saúde, educação e transporte.

    Simplista demais. Faltam dados que associem atividades diárias das pessoas ao prazer.

    Recentemente, saiu o IDHM-Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios. Pela terceira vez seguida, São Caetano foi o campeão no Brasil.

    O IDHM baseia-se em três índices: saúde (longevidade), renda e educação. A impressão de boa parte das pessoas é que a detentora do título de campeã do IDHM é a cidade mais agradável para se viver. Não é necessariamente assim.

    Há outros fatores não avaliados, fundamentais.

    Na prática, a qualidade de vida nas cidades é medida com boa precisão quando nos atemos a índices objetivos, como os acima citados. Coisas mais racionais.

    Já os índices subjetivos não são mensurados. A medida sobre eles é escassa e incerta.

    As prefeituras não investem em ouvir sobre como as pessoas se sentem, independentemente da infraestrutura que as rodeia. A felicidade que cada um sente ao viver em determinado local também tem um aspecto subjetivo que é desprezado. Deveria ser objeto de estudo profundo e servir de roteiro para as políticas públicas e ações privadas.

    Estamos perdendo a conta da vida comunitária nas cidades e a importância dos nossos sentimentos. A perda não é pouca coisa.

    Estrelado pelos irmãos Schlegel, Novalis e Goethe, o movimento romântico alemão surgiu para se contrapor ao domínio da razão. Para enxergar o sentimento.

    Ele valorizou a vida comunitária.

    Reprodução/Wikipedia/Johann_Wolfgang_von_Goethe
    Johann Wolfgang von Goethe
    Johann Wolfgang von Goethe

    Por enquanto, repetimos padrões e andamos às cegas, negligenciando nossa própria fortuna.

    A felicidade tem paradoxos. Segundo o economista Eduardo Giannetti, o crescimento econômico ocorrido nos EUA e Europa após a Segunda Guerra não alterou o nível de satisfação das pessoas.

    A melhoria indiscutível dos padrões em saúde, transporte e educação de grande parte dos municípios do Brasil, apontada no IDHM de 2013 (base 2010), também não significou mais felicidade aos seus respectivos cidadãos. Há algo a mais a ser apurado para desvendar a questão.

    Por que não se pergunta mais claramente à população quais usos e costumes do cotidiano que lhe propiciam prazer: Caminhar com segurança? Curtir uma praça, um parque? Flanar pelas ruas da cidade? Ver um jogo de futebol em paz?

    As universidades brasileiras dedicam-se pouco a investigar isso. A perscrutar o que torna o intangível, o impalpável, passível de medição. Se pudermos identificar ações concretas que nos deixem felizes subjetivamente, poderemos mensurá-las tornando mais fácil construir a cidade melhor. Com certeza, o número de pessoas que utilizam as ruas é uma medida de cidade feliz.

    A felicidade pessoal está ligada à mente da pessoa. O prazer de viver em uma metrópole está associado à disposição de ocupá-la. Seria legal, e indispensável, medir quanta gente se dispõe a sair de casa ou a retardar a volta para o lar para curtir a vida oferecida fora dos prédios.

    Seria bom encontrarmos outras questões que pudessem nos dar a pista para mensurar o que nos faz feliz. Além das universidades e do poder público, a sociedade deveria debruçar-se mais nessa questão. O que temos sobre o tema é desesperadoramente insuficiente.

    O paradoxo, nas metrópoles, é que lidamos com muita informação irrelevante, enquanto o essencial é desconhecido.

    Tentar a felicidade é da natureza humana. Melhor sermos obsessivos nessa busca. Afinal, como disse Millôr Fernandes, "a vida é perto".

    Por que não procurá-la onde a gente mora.

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