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    José Luiz Portella

    A cidade é a relação entre as pessoas

    10/10/2013 03h00

    A cidade é, sobretudo, a interação entre as pessoas. Infelizmente, isso passa muitas vezes despercebido ou sem a importância devida.

    Olhamos para as coisas e sistemas. É mais fácil lidar com números, peças e desenhos. Os prédios, as vias de tráfego, as calçadas. A mobilidade, o sistema de saúde, de educação. Como se fossem coisas eminentemente técnicas.

    As soluções estariam nas pranchetas dos urbanistas, nas obras e veículos. Na aplicação de modelos.

    Tudo isso tem importância sim, mas está abaixo do produto da relação entre os cidadãos. O jeito de ser, a forma de trato, o modo das interações, o clima e humor que conduzem essas relações.

    Georg Simmel, professor e sociólogo alemão, introduziu o conceito de "SOCIAÇÃO". Estudava o relacionamento humano. As coisas não acontecem da mesma forma em todos os aglomerados; mesmo que tenham populações semelhantes.

    Há relações de dominação e subserviência, da obediência do grupo a um indivíduo, no trabalho; e da dominação do indivíduo pelo grupo, como nas torcidas organizadas. E nas várias tribos que compõem a cidade.

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    Há conflitos e suas consequências. Os cidadãos não atuam só em convergência de interesses. Há conflitos pela ocupação do espaço público e pelo modo de implantação de políticas públicas, usos e costumes.

    O modo como se resolvem esses embates pode ser bom ou ruim. A mediação dos conflitos gera avanços ou retrocessos na relação cotidiana.

    Cuidamos bem dessa mediação?

    Há o componente da pobreza extrema que leva o cidadão à necessidade de socorro social. Extrema dependência. Que o expõe totalmente.

    Enfim, tudo isso muda o jeito de ser da cidade.

    Em "A Filosofia do Dinheiro", Simmel analisa o efeito da vida monetária. E nas grandes cidades, a dura luta pela sobrevivência é o ponto central.

    Ele diz que a vida monetária leva à aceleração do tempo. Por isso, precisamos introduzir processos mais lentos, como andar a pé e de bicicleta. Senão, prevalece a correria. E ela leva ao carro. Prevalece o que transporta mais rápido.

    Viver em função de ganhar grana para sobreviver, conforme a dose, cria o cidadão "blasé", indiferente. Distante da realidade social, que não se comove com o que se passa à sua volta. Perde o sentido da indignação. Desliga-se.

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    É uma conduta introspectiva. Separa as pessoas.

    Simmel publicou também "A metrópole e a vida espiritual". Trata-se de como as atividades urbanas, nervosas, geram o cidadão objetivo, impessoal, distante, calculista. Que perde a capacidade de se relacionar com as pessoas à sua volta.

    Isso foi no começo do século passado. Imagine agora. As coisas só pioraram.

    Tratar da cidade sem olhar a microssociologia é perder o sentido humano. É muito difícil ver em nossas políticas públicas, planos-diretores, códigos de obra, normas de construção, preocupação com isso. Que é a essência da vida em sociedade.

    Se não cuidarem dessa essência, os planos não darão certo.

    Existe uma cidade escondida que está em valores intangíveis como o sentir-se bem enquanto se caminha, respira-se o ar da manhã, senta-se para conversar ou olhar a paisagem em um parque.

    Tudo o que uma pessoa faz no seu cotidiano, do acordar para ganhar a vida ao tempo que tem para desfrutá-la, misturado com as interações, é o segredo em que devem basear-se todos os projetos de melhoria.

    Uma cidade difícil e corrosiva provoca gente agressiva e com dificuldade de relacionamento. Sem relacionamento, a vida não é legal.

    A política pública Número Um é investir no bom relacionamento entre os cidadãos. É ter uma cidade para as pessoas. Que leve em conta suas carências, limitações e anseios.

    Este é o ponto de partida.

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