• Colunistas

    Saturday, 04-May-2024 11:17:05 -03
    José Luiz Portella

    A mudança que a cidade precisa

    24/10/2013 03h03

    As cidades crescem porque consolidam e diversificam a atividade econômica.

    As pessoas, em primeiro lugar, buscam o emprego para sobreviverem. À medida que as cidades facilitam esse processo, elas crescem em aglomeração.

    Nada acontece sem ter outro lado. A consequência é a deterioração das relações humanas. Porque, na cidade pequena, você produz para quem conhece. Na grande, para o desconhecido, chamado mercado. Georg Simmel explica isso muito bem no texto "As grandes cidades e a vida do espírito".

    Na cidade pequena ou no bairro, as relações são pautadas pelo sentimento, pela alma. Na grande, vale a objetividade. E como o que está em jogo é ganhar dinheiro para a sobrevivência, e o cliente é anônimo, fala mais alto a lógica do dinheiro.

    E, como diz Simmel, "o dinheiro quer saber apenas sobre o que é comum a todos, o valor da troca, --quanto". Aí entram na jogada, solenes, o formalismo e a dureza impessoal. Quanto vale o que ofereço? Quanto vale o que quero?

    A relação do "quanto" é numérica, não quer saber dos sentimentos. Dessa forma, o sentimento fica sem espaço. E a música soa cáustica: "Não existe amor em SP".

    Como mudar essa lógica? Aproximando as pessoas. Elas se sentem bem quando conhecem os comerciantes do bairro, quando identificam e são identificadas. Quando criam vínculos com outras pessoas.

    É preciso um espaço vital onde o cidadão possa realizar a maior parte de suas necessidades como se estivesse numa cidade pequena.

    É o desafio de juntar a parte boa da cidade grande com a da cidade pequena. Não será perfeito. Não existe solução absoluta que elimine todos os males e reúna só benefícios. Sempre haverá alguma dificuldade agregada.

    E para mudar, tem que tentar. E não embarcar na crença de uma solução mágica que venha do poder público e elimine todos os males.

    Duas experiências valem um estudo mais aprofundado: Vauban, na Alemanha; Chengdu , na China. Uma pequena, outra grande. Nenhuma é para ser copiada integralmente porque há questões culturais e peculiaridades. Contudo, os conceitos admitem reprodução. E muita coisa prática também.

    Divulgação/gochengdu.cn
    Cidade de Chengdu, na China
    Cidade de Chengdu, na China
    Divulgação/badische-seiten.de
    Vauban, na Alemanha
    Vauban, na Alemanha

    Vauban é uma espécie de distrito com autonomia de Freiburg. Em Chengdu, capital da província de Sichuan, constrói-se um distrito especial .

    Vauban tem cerca de 6.000 habitantes. Chengdu, cerca de 4.600.000. No distrito especial de Chengdu, viverão 80 mil pessoas. Em ambas, o conceito fundamental é não haver carros. Deslocar-se a pé, de bicicleta ou com algum tipo de transporte público especial.

    No distrito chinês, os arquitetos urbanistas propõem que todo deslocamento possa ser feito a pé. No máximo, em 15 minutos.

    É possível isso aqui? É difícil, mas possível. E não vai sair da cartola, de repente. Nem brilhante.

    Da situação atual a um modelo desses, é preciso paciência, tenacidade e coragem. É preciso acreditar no conceito de que a pessoa viverá melhor se exercitar suas individualidades em ambiente coletivo. Deixar de ser número, peça.

    O direito à cidade agradável não será atingido através do modelo atual. Que é comandado pela organização do dinheiro. Do mercado. Mas ele tem vantagens.

    Para compartilhamos os ganhos do mercado na sustentação das pessoas e uma vida mais humana, baseada no sentimento, são necessários espaços públicos diferenciados. Bairros, pequenos distritos. Como Vauban e Chengdu.

    Wikimedia Commons
    Vale do Anhagabaú, no centro de SP
    Vale do Anhagabaú, no centro de SP

    Hoje, isso está sendo feito em São Paulo através de condomínios mais horizontais; porém fechados, como o Jardim das Perdizes, junto à ponte da Pompeia.

    É um modelo equivocado de reclusão e segregação.

    O centro de São Paulo, pela oferta de transporte abundante que tem e pelas distâncias, poderia viver uma experiência de eliminação do carro quase total. Com deslocamentos exclusivos por transporte público circular, bicicletas e a pé.

    Para mudar, é preciso tentar. Não vai dar tudo certo de cara. Mas vai avançar.

    Tentar e avançar são o espírito da coisa.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024