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    José Luiz Portella

    O torcedor e os ingressos do Flamengo

    14/11/2013 03h00

    O Flamengo calcou a mão e elevou significativamente os ingressos para o jogo no Maracanã contra o Atlético Paranaense. Segunda partida decisiva pela Copa do Brasil. Preço mínimo R$ 250,00; máximo R$ 800,00.

    A diretoria do Flamengo se baseia na Lei da Oferta e Procura e diz que precisa fechar o ano, pagar o décimo terceiro dos funcionários e dívidas de curto prazo. Alega que a oportunidade é essa e não pode perdê-la. O Flamengo não disputa a final dessa Copa desde 2006.

    Tem argumentos válidos, a princípio, e motivação nobre se assegurar, de fato, o Natal de seus atletas e funcionários. Eles por vários anos não receberam seus direitos e se sentem inseguros. Foi o que declarou seu presidente ao justificar o aumento inusitado.

    O Flamengo também afirmou que está se apropriando do que lhe é de direito em vez de deixar parcela maior para os cambistas. Conforme sobe o ingresso, diminui a margem do cambista porque há um limite para os torcedores pagarem por eles. Com ingressos mais baratos e a indiscutível Lei da Oferta e Procura, os cambistas colocariam a mão em diferença maior. Pode ser.

    Tudo dentro de uma lógica de mercado e de valores mercantis. O valor de uso e o valor de troca do ingresso.

    O Flamengo acionou sem compaixão a famosa "mão invisível" do mercado consagrada por Adam Smith. Além do aumento polpudo, reduziu o desconto do sócio-torcedor de 50% para 40%. Dose dupla.

    Isso fragiliza o programa. Ele foi feito para premiar o torcedor com presença fiel. E ele não é preservado na hora das vacas gordas. Gera a percepção de "quando precisar não conte comigo". É bom que a moda não pegue em outros clubes.

    Mas há algo mais relevante que a diretoria do Flamengo não percebeu. A relação com o torcedor não pode ser reduzida a valores da Lei da Oferta e Procura e ao Custo de Oportunidade.
    A Lei existe e não pode ser revogada. É da natureza humana. Porém é aplicada conforme o caso.

    Um torcedor tem outra relação com o seu clube: o vínculo afetivo.Ele não se dispõe a consumir outro produto, ir à partida final de outro time.Além de ser companheiro inseparável na alegria e na tristeza.

    O Flamengo é a força de sua torcida. Isso cria uma esfera notável no relacionamento entre clube e torcida, valor não mercantil que não possui valor de troca.

    Ele é que vale a vida. Reduzido a valor de consumo, ele se transforma em algo frio, impessoal, sem identidade. Que se desmancha no ar.

    As pessoas vão à campo em busca da emoção. Que é imensurável. O exercício da paixão é o sal da terra. Dá gosto e sentido a existência. Não se negocia.

    Pedro Ladeira - 26.mai.13/Folhapress
    Torcedores, a maioria do Flamengo, veem o jogo entre o time do Rio e o Santos, no Estádio Nacional, em Brasília
    Torcedores, a maioria do Flamengo, veem o jogo entre o time do Rio e o Santos, no Estádio Nacional, em Brasília

    O Flamengo pode cuidar das duas coisas. Aumentar a receita aproveitando a ocasião e premiar o torcedor. Tem várias alternativas.

    Pode separar 10.000 ingressos nos lugares mais populares, por hipótese, e destinar aos sócios-torcedores mais assíduos, com desconto especial no preço. O gesto valeria mais do que mil argumentos monetários.

    A diferença não arrecadada seria pouco significativa diante do sentimento de correspondência que sua torcida teria. Na hora mais desejada o Flamengo reconheceria a paixão incondicional do seu torcedor. O vínculo mais importante que sustenta e impulsiona a imensa Nação rubro-negra. O amor ao clube é um singelo e raro vínculo, nos dias atuais, sem interesse financeiro.

    Ele faz do rubro-negro da Gávea o time com a maior torcida no Brasil.

    O Flamengo não contabilizou que este vínculo "não tem preço".

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