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    Josimar Melo

    'Perigo' urbano

    14/05/2015 02h00

    Soube na semana passada da morte prematura de um escritor americano apaixonado pela carne, Joshua Ozersky, aos 47 anos. Além de autor, ele também realizava eventos, sendo o mais conhecido o Meatopia. Foi encontrado morto em um hotel em Chicago, aonde tinha ido participar da premiação anual da James Beard Foundation, e até agora as causas da morte são inconclusivas.

    Colaborador de diversas publicações (ultimamente, "Esquire", "The Wall Street Journal", "Food & Wine"), Josh mostrava sua predileção culinária já no título de livros como "The Hamburger: a History" e "Meat Me in Manhattan" (um trocadilho em que "meet me", encontre-me, é grafado "meat", carne).

    Sua mais chamativa participação na vida gastronômica era o Meatopia: evento ao ar livre no qual chefs, restaurateurs e churrasqueiros profissionais preparavam carnes na brasa para um imenso e faminto público. Foi realizado por nove anos seguidos em Nova York e em 2013 aconteceu no Texas e em Londres.

    Eu o conheci no Uruguai, em 2011, quando participamos do festival Punta Food & Wine, em Punta del Este. Josh não teria do que reclamar de pelo menos uma atividade do evento, o almoço ao ar livre promovido pelo chef Francis Mallmann, ocupando toda a praça do pequeno vilarejo de Pueblo Garzón.

    Mallmann é aficionado pelo fogo e pelas brasas, como fica evidente em seu livro "Sete Fogos" (editora Vergara & Riba), que mostra sete diferentes técnicas, em geral bem rústicas, de preparo de carnes, peixes e vegetais no fogo.

    Naquele ano –e nos seguintes, sempre no festival– ele distribuiu pela praça diferentes estações de preparo, que iam desde a conhecida parrilla (a churrasqueira) até o forno de lenha, passando por legumes enterrados sob brasas no chão.

    O "happening" de Mallmann, como os de Ozersky, são eventos que impelem moradores e turistas a uma convivência divertida e informal. São fenômenos de comida de rua que no Brasil ainda apenas engatinham, e de maneira tortuosa.

    Comida de rua costuma se equilibrar entre o apetitoso (com seus aromas ganhando diretamente as narinas dos passantes) e o perigoso (quando não se sabe direito quais os cuidados de higiene observados).

    Mas nos países do mundo onde ela é de regra (especialmente na Ásia, mas também em algumas cidades ocidentais), flertar com o risco faz parte da aventura. E, quanto mais existe, mais o público separa o que há de melhor, nem que seja à custa de eventuais desarranjos físicos, típicos da seleção natural...

    No Brasil, se descontarmos as exceções –o tacacá do Pará, o acarajé da Bahia, o pastel de feira de São Paulo, os carrinhos de comida em volta dos estádios, o hot-dog na porta das baladas– a comida de rua tem uma oferta limitada. E agora, que resolveu aparecer com mais força, foi direto para a pedante solução dos caros food trucks, ou de festivais de comidas "de rua" confinadas em estacionamentos e galpões.

    Acho ótimo que existam reluzentes e equipadíssimos food trucks com boa comida pelo meu caminho, e torço para que tenham sucesso, embora prefira, pelo preço que a maioria cobra, comer sentado e com mais conforto em um bar ou em um restaurante.

    Também dou força às feirinhas gastronômicas que andam ocorrendo em espaços fechados. Mas um pouco mais de espontaneidade, de exagero, no estilo do comilão Josh Ozersky também faria bem.

    josimar melo

    Josimar Melo é crítico gastronômico, autor do 'Guia Josimar' de restaurantes, bares e serviços de SP. Escreve às quintas, a cada duas semanas.

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