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    Josimar Melo

    Brejeira lição ao primeiro mundo

    28/05/2015 02h00

    O episódio envolvendo de um lado o chef americano Mario Batali, que esteve no Brasil há duas semanas para a inauguração do complexo gastronômico Eataly, e de outro o restaurante Maní, que não segurou uma reserva (devido ao atraso) para ele e seu grupo, revela muito do tratamento que se espera de um restaurante, aqui e no mundo.

    Brasileiros têm preguiça de fazer reservas –pelo menos no seu país. Quando se transformam em turistas, a coisa muda: sabendo que muitos restaurantes estrelados sofrem de superlotação e temerosos de literalmente perderem a viagem, costumam providenciar reservas com boa antecedência em suas mecas de além-mar.

    Mas, aqui, sofrem de dois tipos de síndrome. Uma é a do improviso: só decidem onde comer na última hora e se abalam para o restaurante sempre na esperança de que haverá lugar, mesmo sob pena –alguns até gostam– de ter que esperar aqueles "20 minutos" que serão no mínimo o dobro.

    A outra síndrome antirreservas é a da arrogância. Muitos acreditam que, ao chegar ao restaurante em que são conhecidos, conseguirão furar fila impunemente. Quanto mais rico o cliente, e mais subalterno o restaurante, mais vezes essa triste gambiarra de fato funciona.

    Mas falávamos de Mario Batali. Um ser do primeiro mundo. E do mundo dos restaurantes: tem uma penca deles (mais de 20), inclusive o Del Posto, com a cotação máxima do jornal "The New York Times" (embora somente uma estrela "Michelin", como outra de suas casas, o Babbo, ambos em Nova York).

    Sócio do Eataly, ele pretendia jantar no Maní com sua entourage (que incluía Lidia Bastianich, celebrity-chef de TV como ele, e também sócia do Eataly e do Del Posto) no último dia 13. O grupo fez reserva, mas atrasou 45 minutos (em seus irados tuítes, Batali admitia atraso de 25 minutos –a tolerância é de 15).

    O furioso chef afirmou que telefonara no caminho avisando do atraso e não se conformava que ainda assim, ao chegar, a mesa não estava à sua disposição: teriam que entrar na espera pela próxima mesa vaga.

    Como teria reagido o Del Posto ou outros dos restaurantes nova-iorquinos do famoso chef se, por exemplo, Helena Rizzo (do Maní) atrasasse quase uma hora enquanto uma longa fila de espera estaria vendo aquela mesa vazia e intacta mesmo depois do horário máximo de reservas?

    Arrisco aqui um palpite: nos grandes restaurantes de Nova York, se Helena fosse uma brasileira anônima, por mais que ligasse avisando, teria imediatamente perdido a reserva, a mesa, a viagem.

    Se, por outro lado, fosse anotada (com a marca de VIP na reserva) ou reconhecida como uma famosa e premiada chef, se explicasse que é amiga e admirada por grandes chefs do mundo, e que Batali quando viesse ao Brasil certamente desejaria ir ao Maní –enfim, se desse uma carteirada afiada– possivelmente teria seu lugar preservado.

    O que provavelmente ocorreu em São Paulo foi que a pessoa que atendeu ao telefonema de Batali não sabia quem eram as celebridades que estavam para chegar. Ou então era instruída mesmo para não favorecer ninguém, em respeito a quem cumpria o horário e aos clientes que penavam na fila de espera.

    Acho que, com isso, o brejeiro Maní deu uma lição ao primeiro mundo de Batali (que, como se vê, não é aquela coisa cor-de-rosa que tantos inferiorizados brasileiros adoram achar).

    josimar melo

    Josimar Melo é crítico gastronômico, autor do 'Guia Josimar' de restaurantes, bares e serviços de SP. Escreve às quintas, a cada duas semanas.

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