• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 23:21:38 -03
    Josimar Melo

    London? London

    11/06/2015 02h00

    Minha primeira vez em Londres correspondeu em tudo à imagem clichê da cidade: chuva, frio, um cinza permanente na paisagem.

    Mas as décadas foram passando, e minha impressão da cidade também. Uns cinco anos mais tarde encontrei a cidade iluminada, ensolarada, salpicada por aquele engraçado hábito de, a cada raio de sol surgido do nada, dos gramados brotarem, como cogumelos depois da chuva, corpos esbranquiçados estendidos no chão.

    Ganhando tons rosados enquanto se esparramam, os londrinos jamais hesitaram em ficar seminus –ou nus, mesmo– naqueles 15 minutos em que, a caminho do trabalho ou das compras, podiam refestelar-se sob ocasionais raios de sol.

    O que mudou é que esses breves clarões ensolarados parecem ter crescido em frequência e amplitude. Hoje há mais sol em Londres, embora possa ser apenas impressão minha. Nunca mais estive na cidade (aonde tenho ido ao menos uma vez por ano) sem me maravilhar com as cores renovadas pela luz solar. Aquele vermelho esmaecido dos velhos tijolos tingidos pela chuva, que eu conheci no começo, hoje viram brasa, e tudo ganha cores insuspeitas e vibrantes com o sol de qualquer estação do ano. Sorte minha? Mero acaso? Acho que não.

    Há uma década cheguei à casa da escritora de vinhos Jancis Robinson, possivelmente a maior autoridade mundial no assunto, e como de hábito ela me recebeu com uma taça de espumante. Queria que eu provasse, me disse.

    Não precisei falar muito. Ante minha expressão ao beber, ela logo pegou outra garrafa e, rindo, falou: "Ok, ok, agora vamos ao sério..." E, abrindo um champanhe, me contou que o espumante que me dera foi produzido na Inglaterra! "Veja só o que faz o aquecimento global, até vinhos já estamos produzindo aqui!"

    Digamos que os vinhos não são ainda o melhor que a Inglaterra ensolarada produz. Mas algo mais mudou bastante desde que conheci a orgulhosa ilha: a comida.

    Nos tempos chuvosos que já se vão longe na minha memória, o gesto de sair para comer fora implicava procurar o melhor paquistanês, indiano ou chinês das proximidades. E evitar a todo custo qualquer restaurante de comida (ou cozinheiro) inglês.

    Quanta coisa mudou. Na minha segunda visita, que aconteceu no limiar dos anos 1990, ainda prestamos homenagem aos franceses que, por séculos, garantiram uma alta gastronomia no país (como pude, então, constatar no Le Gavroche).

    Mas além deles, naquela época o River Café já trazia o frescor da cozinha mediterrânea e um jovem e ruidoso chef chacoalhava o cenário gastronômico local: o junkie e iconoclasta Marco Pierre White (naquele momento cozinhando no Harvey's), uma espécie de antítese dos chefs midiáticos, simpáticos e bonachões que começavam a circular nos salões da "nouvelle cuisine" francesa.

    White está aposentado das panelas, hoje só faz negócios, pena. Mas desde então, cada visita a Londres está cheia de surpresas, de novos chefs e de uma cozinha local, que pode ser da velha guarda, mas ressuscitada com glória (como no St. John), até cheia de humor jovem de um The Clove Club, por exemplo.

    Fazer listas seria exaustivo (fica para uma próxima) –mas certo é que hoje comer bem numa paisagem banhada pelo sol não é mais delírio em Londres. É uma realidade, e ainda por cima temperada pelo melhor que aquela terra sempre ofereceu: os malucos dos londrinos.

    josimar melo

    Josimar Melo é crítico gastronômico, autor do 'Guia Josimar' de restaurantes, bares e serviços de SP. Escreve às quintas, a cada duas semanas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024