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    Josimar Melo

    Faltam turistas em SP

    09/07/2015 02h00

    São Paulo ganhou mais um fenômeno desses típicos de nossa metrópole: a inauguração do Eataly, a filial local do empório/restaurantes criado em Turim, na Itália, e hoje com vários endereços pelo mundo (o de Nova York é o xodó dos turistas brasileiros). Esses locais têm filas e muita gente circulando pelas seções (carnes, massas etc.) e comendo nos restaurantes anexos a cada uma, além da enxurrada de selfies.

    Quanto tempo isso vai durar? Espero que muito: os produtos são bons (embora alguns sejam bem caros), o espaço é generoso e os restaurantes, com altos e baixos, atendem à expectativa de comer num local inusitado e movimentado.

    O desafio do Eataly é manter seu magnetismo ao longo do tempo, desafiando a volubilidade dos paulistanos, sempre ansiosos por novidades e prontos a trair seu último flerte pela próxima aventura.

    Não ocorre só aqui. Qualquer cidade tem essa compulsão pelo novo. O que vale para os restaurantes, área em que as novidades lotam e muitas são logo esquecidas. Para sobreviver a essa deglutição vertiginosa, eles não podem ser apenas novidadeiros, mas ter estofo para garantir a permanência.

    Como? São Paulo tem poucos milhares de abonados que garantem um mercado permanente, mas limitado, para restaurantes mais sofisticados. A cada novo local bem-sucedido, um antigo perde clientes.
    A solução para esse impasse é a existência de uma população flutuante -de turistas- que alimente os locais de maior prestígio.

    Imagine o restaurante Daniel em Nova York, por exemplo, que há décadas exibe a arte do chef Daniel Boulud. Vá jantar ali e preste atenção ao público: uma minoria é composta de nova-iorquinos; de resto, são turistas (estrangeiros ou de outras cidades norte-americanas), garantindo a lotação diária da casa.

    Em Paris, raros franceses vão comer toda semana, ou mesmo todo mês, num Pierre Gagnaire, ou num L'Astrance (de Pascal Barbot). Primeiro porque os menus não mudam muito na estação. Segundo, se é para comer em locais especiais, não dá para voltar sempre ao mesmo, há outros a provar.

    Os turistas, no entanto, garantem sempre um movimento nas casas de prestígio.

    O citado Daniel tem, aliás, um fato curioso: enquanto restaurantes estrelados da França fazem somente uma reserva para cada mesa -que fica à disposição somente do cliente que a reservou- no Daniel há pelo menos dois turnos de reserva. O primeiro, antes das 19h, para os nova-iorquinos, que jantam cedo. A segunda, para quando estes já se foram, fica para os turistas -que, como brasileiros ou espanhóis, preferem jantar às 21h ou mais.

    São Paulo não tem as belezas naturais de outras cidades, mas já está há muito merecendo um fluxo de turistas que sustente seus restaurantes de prestígio. Não há milhões de visitantes que vão a Nova York para ver musicais e museus, entre uma compra e um jantar? Por que brasileiros (e vizinhos latino-americanos) não podem vir a São Paulo para ver museus, fazer compras, até mesmo ver musicais da Broadway (sempre há um na cidade) -e jantar?

    É o tipo de pacote turístico que pode ser benéfico para a cidade. E que pode tornar viável a existência de locais de cozinha e serviço exemplares, mas que dificilmente podem sobreviver somente do limitado público local.

    josimar melo

    Josimar Melo é crítico gastronômico, autor do 'Guia Josimar' de restaurantes, bares e serviços de SP. Escreve às quintas, a cada duas semanas.

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