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    Josimar Melo

    Melhor beber por aqui

    03/09/2015 02h00

    Qualquer pessoa que gosta de beber certamente já reclamou que o serviço de vinhos nos restaurantes brasileiros deixa muito a desejar.

    É verdade. Mas não concordo com irritadas comparações do tipo "na Europa, sim, sabem beber vinhos" –supondo que nos países que tradicionalmente produzem e consomem a bebida o serviço é perfeito.

    Pois não é. Tenho visto que também neste aspecto o sentimento de inferioridade, já tão arraigado em tantos brasileiros, mereceria tirar uma folga e dar lugar a uma visão mais objetiva das coisas.

    Na Europa, bebe-se vinho melhor que no Brasil? Em geral, sim –porque os vinhos são muito mais baratos e é mais fácil achar boas opções para diversas situações, mas sem explodir o orçamento.

    Mas estou falando especificamente de restaurantes, onde vejo uma situação paradoxal mas inerente aos países produtores.

    Quero tirar desta comparação os restaurantes do topo, sofisticados e caros. Neles, aqui e lá, sempre há sommeliers, taças adequadas, adegas (pena os preços daqui).

    Mas suponha que você não é um magnata e, no dia a dia de suas viagens (ou de sua vida no Brasil), frequente restaurantes medianos. Você poderia supor que no Brasil, país sem tradição vinícola, o serviço seria muito pior do que nos tradicionais produtores, certo?

    Só que não. Contraditoriamente, nos países produtores de vinho, o hábito da bebida é tão arraigado que, a não ser nos melhores restaurantes, ninguém acha que é importante ensinar os maîtres ou instruir os clientes –afinal, bebemos vinho desde criança, há séculos, está tudo devidamente sabido...

    Resultado: chega-se a um restaurante de pescados na Espanha, e já colocam na sua mesa uma garrafa de vinho tinto, provavelmente uns dez graus de temperatura acima do desejado.

    Chega-se a um bistrô bem ajeitado em Paris, e não há ninguém para ajudar na escolha dos vinhos (é o garçom que tira o pedido, e, se você pedir informações sobre os rótulos, só terá respostas monossilábicas –isso se tiver alguma).

    Entra-se num lindo restaurante na Toscana, e se aparece uma vontade de pedir um vinho francês, prepare-se para ouvir uma descompostura do tipo: "Ué, fazem vinho na França, é?"; e não adianta tentar consertar, pedindo então um rótulo que aprecia do vizinho Piemonte –não servirão nada que não seja produzido na região.

    E raramente, na maioria dos casos, haverá cuidados com temperatura, tipo de taça, combinação com a comida, coisas assim.

    Já no Brasil, curiosamente, o fato de não haver tradição na área tem feito com que, nas principais cidades, haja restaurantes mais profissionais (mesmo que não os mais caros) que se esforçam em oferecer vinhos de uma maneira mais correta.

    Buscam treinar ao menos um maître (ainda que pela via enviesada de usar importadoras), tentam ter vinho de várias regiões, compram uma pequena adega climatizada.

    A ignorância dos brasileiros em relação ao vinho e nossa falta de tradição criaram uma atitude mais humilde e positiva, ainda que muito, muito longe da perfeição. As cartas são ecléticas, contemplam vinhos de vários países, ninguém reclama se você pede para resfriar um vinho, ninguém estranha se você prefere um branco com seu peixe.

    Não olham feio se faz uma pergunta básica. Afinal, todos sabem que não nascemos bebendo vinho já na mamadeira. Talvez por isso mesmo queiramos agora bebê-lo numa taça adequada.

    josimar melo

    Josimar Melo é crítico gastronômico, autor do 'Guia Josimar' de restaurantes, bares e serviços de SP. Escreve às quintas, a cada duas semanas.

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