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    Josimar Melo

    Mercados em fuga

    21/01/2016 02h00

    Visitar mercados é um hábito que se incorpora cada vez mais aos passeios turísticos –raramente para se comprar comida (pois viajantes costumam ficar em hotel), mas para conhecer produtos locais, experimentar frutas, ver a cara enfezada de peixes diferentes e comer uns petiscos típicos, que sempre os há.

    Mas, de vez em quando, visito mercados que assustam um pouco. Certa vez, anos atrás, na idílica península de Maraú (Bahia), peguei o barco e fui ao mercado na cidade de Camamu em busca de delícias para preparar na casa alugada onde estava.

    Mal consegui me abastecer. Farinhas, pimentas... Mas os peixes cheiravam mal, havia sujeira por toda parte e a parte de carnes exibia fantasmagóricas carcaças enxameadas por batalhões de moscas.

    Há pouco estive no mercado de Iquitos, no Peru, que é bem melhor, mas também não prima pela limpeza, há insetos borboleteando por toda parte, o que me fez imaginar: como seriam os mercados na Idade Média, por exemplo –mesmo nas cidades mais ricas? E mesmo mais recentemente, antes da refrigeração e da inspeção sanitária?

    Por outro lado, existe uma tendência de tornar os grandes mercados muito assépticos. Vide a feira da rue Cler, em Paris, famosa pelas carnes de caça penduradas nas bancas (exibição hoje proibida). A tendência também é afastá-los do consumidor comum, deixando para trás grandes carcaças para turistas. Um exemplo grandioso foi o do mercado de Les Halles, também na capital francesa. Ele ficava na região central, foi por séculos o "ventre de Paris", por onde passavam alguns dos melhores produtos do planeta.

    Mas, por ficar muito no centro, o que lhe dava um funcionamento meio caótico, terminou sendo transferido, nos anos 1970, para Rungis, um subúrbio longínquo aonde hoje vão somente compradores profissionais. (E Les Halles virou uma área de lazer sem graça e um shopping pavoroso.)

    São Paulo é outro exemplo. Aqui, o Mercadão da Cantareira ainda existe, mas é cada vez mais turístico e caro –e um lugar cada vez mais para comer do que para comprar. O grosso do comércio de alimentos foi transferido para a Ceagesp, mais fora do centro. E, como a cidade chegou até lá, o plano agora é empurrá-lo para ainda mais longe.

    Em Barcelona, o delicioso La Boqueria virou um centro gastronômico para se comer nas bancas, mais do que para se abastecer.

    E agora é a vez do Tsukiji, o mítico mercado de peixes de Tóquio. Este é seu último ano no atual local, no centro da cidade –ele sofrerá o mesmo destino de seus irmãos metrópoles afora.

    Vai fazer uma falta danada. Ali se abastecem os profissionais e restaurantes (principalmente na madrugada, havendo ou não o famoso leilão de atuns), mas é também onde donas de casa e cozinheiros amadores fazem a festa durante o dia. E, ao contrário de tantas peixarias, é um enorme mercado de peixes que... não cheira a peixe, tal o frescor dos produtos e a higiene dos comerciantes.

    O Tsukiji, no entanto, é a prova de que mercados poderiam conviver com a metrópole. É organizado, limpo e muito frequentado pela população, além de atração turística e destino gastronômico, dados os muitos restaurantes ao redor. Mas parece que não haverá mais lugar para ele.

    Uma pena. Folgo em ver que em São Paulo, mesmo com transtornos que muitos apontam, ainda sobrevivem as feiras livres nas ruas. Se um dia elas voltarem a acolher mais produtores (como era no passado), no lugar de tantos intermediários como hoje, ainda melhor. E seguiremos uma grande cidade onde população e comida dividem o espaço público sem maiores conflitos.

    josimar melo

    Josimar Melo é crítico gastronômico, autor do 'Guia Josimar' de restaurantes, bares e serviços de SP. Escreve às quintas, a cada duas semanas.

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