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    Uma derrota bilionária e o recado do Supremo

    BÁRBARA POMBO
    DO 'JOTA'

    16/03/2017 09h31

    Reprodução
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    Entrada da sede do Supremo Tribunal Federal na praça dos Três Poderes, em Brasília

    O governo Temer tem na mesa propostas para reformar dois dos tributos mais complexos do país: o PIS e a Cofins. Mas, no rearranjo do sistema de recolhimento das contribuições que financiam a Seguridade Social, a equipe econômica precisará lidar com uma perda dolorosa imposta pelo vizinho da frente na Praça dos Três Poderes. O Supremo Tribunal Federal proibiu ontem a União de exigir o ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, o que, na prática, reduz o valor a ser recolhido pelas empresas aos cofres federais.

    A conta da ordem do Supremo não é nada desprezível. São R$ 20 bilhões de perda de arrecadação por ano. O governo ainda precisará lidar com o passado. Empresas teriam R$ 100 bilhões a restituir pelo que pagaram a mais nos últimos anos. Mas a Fazenda terá que recorrer da decisão de ontem para tentar evitar o desembolso.

    Ao impedir que o ICMS seja considerado faturamento das empresas, sobre o qual incide o PIS/Cofins, o Supremo atinge em cheio o espírito da técnica de arrecadação adotada no Brasil, calcada na cobrança de tributo sobre tributo. O céu, agora, é o limite. Como ficará, por exemplo, o PIS/Cofins que incide sobre o ISS, de competência dos municípios?

    Os ministros Roberto Barroso e Gilmar Mendes falaram em "desequilíbrio sistêmico" e "efeitos desastrosos" no sistema tributário. O ministro Dias Toffoli citou que a decisão do Supremo revolucionaria —para o mal— o recolhimento de tributos.

    Foi esse risco que os últimos três governos —FHC, Lula e Dilma— tentaram evitar a todo modo. E por uma questão elementar: o desgaste político é maior quando se aumenta a base de cálculo ou a alíquota de um tributo? É isso que Temer terá que enfrentar agora com a derrota no Supremo.

    A discussão sobre a incidência de tributo sobre tributo é antiga, anterior à Constituição de 1988, quando ainda se cobrava o Finsocial. Extinto o Finsocial, foi criada a Cofins. No Supremo, os questionamento sobre o alargamento da base tributável chegaram em 1998 a partir do RE 240.785, que começou a ser julgado no ano seguinte.

    Em 2006, o julgamento precisou ser renovado por causa das mudanças na composição do tribunal. Em agosto daquele ano, as empresas já haviam angariado maioria de votos —6x1— a favor da exclusão do imposto estadual quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo, e suspendeu o julgamento.

    Antevendo a derrota, o governo Lula adotou uma estratégia jurídica ousada. Em 2007, entrou no Supremo com a Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 18, na qual a União pediu que fosse declarada constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. Quem assinou a ação foi o então Advogado-Geral da União e hoje ministro do Supremo, Dias Toffoli. Na ocasião, o governo pediu que o STF julgasse a ADC 18 antes do RE 240.785. Ou seja, para que o jogo recomeçasse do zero. Pedido atendido.

    A manobra processual deu certo. O julgamento da ADC 18 nunca começou. O processo está há 10 anos no gabinete do ministro Celso de Mello, relator da ação.

    Empresas pressionavam o STF pela conclusão do julgamento. No início de 2014, uma advogada de Brasilia quebrou os formalismos do Direito para relatar aos ministros que estava grávida do primeiro filho quando a disputa chegou à Corte, em 1998. O tempo passara e o garoto já estava para entrar na faculdade.

    Eis que, no final daquele ano, o RE 240.785 foi novamente pautado pelo ministro Ricardo Lewandowski. Executivo e Judiciário estavam em plena queda de braço pelo pagamento de auxílio-moradia aos magistrados e o então presidente da Corte precisava demonstrar força. Pautou não só a disputa bilionária como a tese igualmente bilionária da desaposentação numa sentada só.

    O Supremo deu o recado, mas não entregou a conta. Por 7 votos a 2, excluiu o ICMS do cálculo do PIS/Cofins, mas a decisão só valeu para uma empresa. Naquela ocasião, os ministros decidiram que julgariam a questão para todos os contribuintes em outra oportunidade, especificamente no RE 574.706.

    A oportunidade chegou agora em março de 2017, quando por 6 votos a 4, o Supremo colocou um ponto final na discussão de quase 20 anos.

    O Executivo deve sentir apenas de leve o gosto amargo da decisão do Supremo. Com o apoio do Congresso, Temer tem agora grandes chances de recalibrar a alíquota do PIS/Cofins para compensar as perdas de arrecadação.

    Mas, no fim das contas, a atitude do Supremo sugere uma reavaliação do governo sobre a forma como planeja iniciar as reformas tributárias fatiadas. A edição de medidas provisórias está longe de criar legitimidade para pagamento de tributos. Não parece ser também uma boa estratégia para o Executivo porque, invariavelmente, o Supremo vai entrar em jogo e definir as regras da política tributária.

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