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    O risco fiscal chamado Supremo

    FELIPE RECONDO
    DO 'JOTA'

    30/03/2017 02h00

    Pedro Ladeira - 3.nov.2016/Folhapress
    A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF
    A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF

    O governo procura explicações. Os ministros do Supremo também. Observadores do STF idem. E ninguém consegue responder categoricamente. No momento de crise fiscal aguda, por que a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, tem pautado o julgamento de processos com forte impacto sobre os cofres da União? Nas duas últimas semanas, somente dois processos poderiam provocar perdas de aproximadamente R$ 529 bilhões para as contas públicas.

    Um desses processos foi julgado e levou o Supremo a concluir ser inconstitucional incluir o valor do ICMS na conta de quanto as empresas deveriam recolher de PIS e Cofins. Pelas contas do governo, esse processo pode custar ao governo R$ 250 bilhões. O outro caso (Recurso Extraordinário 565.160) —com impacto ainda maior— foi pautado para o mesmo dia em que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciava o corte de R$ 42,1 bilhões no Orçamento. Neste, a União saiu vitoriosa e evitou um novo prejuízo.

    Mas nesta quinta-feira (30) o tribunal julgará um recurso no processo em que a União foi condenada a indenizar a Varig pelo congelamento de tarifas aéreas em razão do Plano Cruzado, entre outubro de 1985 e janeiro de 1992 —um impacto estimado para os cofres públicos de R$ 3 bilhões. Esses casos, especialmente em razão das cifras, suscitam questionamentos: por que agora? Por que escolher esses casos neste momento?

    O poder de definir a pauta de julgamentos do Supremo é o que difere o presidente da Corte dos demais ministros. E cada presidente, ao exercer essa prerrogativa, escolhe os rumos do STF durante os dois anos de mandato. Pautas sociais, econômicas, direitos de minoria, combate à corrupção, as possibilidades são as mais diversas. A fila de processos a espera de julgamento permite essa discricionariedade, tal é o volume de questões submetidas à Corte.

    É por isso que chamam a atenção —no governo e entre os colegas— as escolhas que a atual presidente têm feito em momento de crise econômica e fiscal. Enquanto o governo se desdobra para garimpar receitas, corta despesas e investimentos, cogita elevar tributos para fazer frente ao deficit nas contas públicas e arrisca o parco capital político de que dispõe para promover uma reforma da Previdência, a pauta do Supremo impõe dificuldades adicionais para a União.

    A seu favor, a ministra poderia argumentar que esses processos aguardam decisão do Supremo e que não podem ficar parados em razão de circunstâncias políticas ou da situação das contas da União. Mas contra esse argumento há uma fila composta por centenas de processos a espera de uma brecha na pauta do Supremo. Casos que não implicariam perdas vultosas para os cofres públicos.

    Exemplos: necessidade de autorização para processar governadores, restrição ao foro privilegiado, poder das agências reguladoras (caso de aditivos aos cigarros), descriminalização das drogas para consumo pessoal, interrupção da gravidez por mulheres diagnosticadas com o vírus da zika (relatado pela própria ministra Cármen Lúcia), constitucionalidade da condução coercitiva de investigados pela Polícia Federal, ação contra a lei de patentes, cotas raciais em concursos públicos.

    E há outro processo que poderia, inclusive, contribuir para as contas públicas: o ministro Luís Roberto Barroso liberou para julgamento no plenário um caso que permitirá ao STF suspender o pagamento de auxílio-moradia para juízes. Uma conta que já soma R$ 643 milhões em aproximadamente três anos. Mas a ação entrou na fila e não há previsão de quando a ministra Cármen o pautará.

    Haveria outro argumento em favor do julgamento de processos fiscais e previdenciários. Neste momento de dificuldades para as empresas, uma decisão judicial que reduza a carga de tributos seria positiva. Mas, novamente, há outro lado da moeda. Pautar processos com impactos fiscais desta monta não compele o tribunal a modular os efeitos da decisão? Ou seja: neste momento, mesmo que reconheça o direito das empresas, o tribunal não se verá obrigado pelas contas públicas a passar uma borracha no passado e deixar apenas para o futuro os efeitos da decisão? A aposta do governo —ou a esperança— é exatamente essa.

    E se isso acontecer, o Supremo estará emitindo o sinal de que o contribuinte pode até ganhar, mas em razão da situação das contas públicas, não vai levar.

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