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    Supremo, sigilo e transparência na leniência de bancos e investidores

    IURI DANTAS
    DO JOTA

    10/08/2017 07h32

    Reuters
    BBC. Repatriação de recursos não declarados: fim do prazo provoca correria em bancos suíços. Banco Central diz que uma estimativa da origem do montante repatriado estará disponível somente dentro dos próximos meses.
    Fachada do prédio do Banco Central

    O Supremo Tribunal Federal foi acionado durante o recesso para dizer se a Medida Provisória 784 atende os preceitos da Constituição Federal. O texto permite que tanto o Banco Central quanto a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) assinem acordos de leniência. Eleva o valor das multas que os dois reguladores podem aplicar —para R$ 2 bilhões e R$ 500 milhões, respectivamente. Consolida, mas não esgota, a lista de infrações que bancos, corretoras, investidores e seguradoras podem cometer e as punições a cada uma delas. O que tem a mais alta Corte do país a ver com isso?

    A MP foi editada ante forte expectativa sobre a possibilidade de bancos serem envolvidos na operação Lava Jato em delações premiadas. Por isso há o questionamento se a MP atende critérios de urgência e relevância, uma controvérsia que o Supremo analisa em casos raríssimos e tende a deixar nas mãos do Congresso Nacional.

    Antes de abordar o ponto específico da leniência, uma analogia. Se a legislação do país —em especial aquelas relativas a crimes— ocupa todo o espectro visível da luz, as regras do mercado de capitais e do setor bancário ficam para lá do ultravioleta. Estão ali, há decisões, multas, processos e litígios todos os dias, mas ninguém consegue ver a olho nu. Trata-se de apurações complexas, muitas vezes envolvendo documentos e informações com sigilo constitucional, como o segredo bancário. O número de atores econômicos, advogados, julgadores e representantes da equipe econômica são poucos e quase desconhecidos do grande público. Voltaremos a isso.

    Ao questionar a MP 784, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) levanta, entre outros pontos, uma questão discutida publicamente pelo Ministério Público Federal e pelo Banco Central: o sigilo dos acordos de leniência. O texto da MP diz que as propostas de leniência serão públicas somente depois que o acordo for efetivado. O chefe da autoridade monetária, Ilan Goldfajn, assegurou que todos os acordos finalizados serão públicos. Em nota técnica, a 2ª, 3ª e 5ª Câmaras de Revisão do MPF criticam a redação da medida provisória por não deixar claro que documentos poderão ser acessados por procuradores.

    Uma breve contextualização: a leniência embute um objetivo que traz ganhos para a sociedade e, naturalmente, contrapartidas para o setor privado e investigados. Tais acordos servem muito à administração pública quando tratam de condutas de difícil detecção. É o caso de cartéis, corrupção e algumas infrações administrativas por bancos e investidores. Na absoluta maioria das vezes, os acordos servem para elucidar infrações complexas, em que a autoridade pública possui pouca ou quase nenhuma chance de levantar provas e localizar os participantes se um dos atores não colaborar. Em troca, o investigado recebe uma punição mais branda ou mesmo nenhuma sanção.

    Os acordos seguem três etapas principais e o momento de divulgação dos acordos, no caso da experiência antitruste, faz parte da negociação entre a autoridade e o investigado. Em primeiro lugar, há o chamado "marker" —como apenas uma pessoa jurídica pode assinar o acordo em relação a cada ilícito concorrencial, quem marcar o primeiro lugar na fila tem preferência. A partir daí, têm-se a negociação dos termos e a elaboração de uma proposta pela empresa. Somente depois de aceita pelos investigadores é que o texto vai ser homologado por julgadores. O sigilo, neste caso, justifica-se em prol da administração pública, na busca por elucidar o máximo possível o que aconteceu.

    Tudo indica que o BC seguirá este caminho, a julgar pelos argumentos públicos em sua página. Mas para se comprometer com isso, é preciso levar em conta um último aspecto.

    Parece óbvio, então, que os benefícios sejam suficientemente claros para que um autor de ilícito busque a administração pública para confessar a conduta. E que tenha confiança de que os benefícios oferecidos por investigadores serão honrados mais à frente. Afinal, a empresa ou a pessoa física está se incriminando e fornecendo detalhes de uma infração que o governo dificilmente conseguiria identificar sozinho. Parece óbvio, porque o Brasil aprendeu essa lição há quase 20 anos.

    No início do século, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) editou a Medida Provisória 2.055, que incluiu na legislação da Concorrência a possibilidade de acordos de leniência. Mas o programa não saiu do papel, até que uma lei posterior deixou claro que o acordo suspende a tramitação do processo administrativo e suspende a denúncia criminal —sem isso as empresas não se sentiam seguras o suficiente para assinar os acordos com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O problema é que isso não pode ser feito pelo Executivo via MP (arts. 21 e 22 da Constituição), apenas pelo Congresso Nacional.

    Vencida esta etapa, coube ao Cade elaborar resoluções com as regras e etapas de negociação dos acordos. De lá para cá, a autarquia montou o programa de leniência mais efetivo do país.

    A ausência de regras claras, de procedimentos conhecidos e uma multiplicidade de atores para negociar os acordos, por outro lado, representam travas importantes para que a Controladoria Geral da União (CGU) assine acordos de leniência no âmbito da Lei Anticorrupção (Lei 12.846).

    Seria simples repetir simplesmente o que disse Louis Brandeis, da Suprema Corte Americana. "A publicidade é justamente recomendada como remédio para doenças sociais e industriais, a luz do sol é tida como o melhor dos desinfetantes e a luz elétrica, o policial mais eficiente".

    Quando se trata de leniência, a divulgação dos acordos tem efeitos importantes. Não se pode esquecer, porém, que há outros aspectos relacionados a isso —como as regras futuras do BC e da CVM, a definição de como os acordos vão servir para beneficiar os investigados na esfera penal e a montagem do programa em si— que estão ocultos no outro lado do espectro. Abaixo do infravermelho: presentes e importantes, mas invisíveis a olho nu.

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