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    Juca Kfouri

    Recordar é viver

    26/04/2015 02h00

    ERA UMA vez um menino corintiano de 9 anos que gostava muito de futebol. Pela primeira vez ele veria uma decisão de Campeonato Paulista entre Palmeiras e Santos.

    Não poderia adivinhar que iria ver outra já avô.

    O campeão seria o melhor em quatro pontos, numa época em que a vitória valia dois, ao fim de um torneio, por pontos corridos, em que ambos chegaram empatados com 63 pontos depois de 38 jogos.

    No primeiro turno, na Vila, o Santos goleou por nada menos de 7 a 3. No segundo, no Parque Antarctica, o Palmeiras revidou com um 5 a 1.

    O primeiro jogo da decisão do campeonato de 1959, disputado já em janeiro de 1960, sempre no Pacaembu, terminou 1 a 1, com gols de Pelé e Zequinha ainda no primeiro tempo, o que deu motivo para a torcida vaiar e gritar "é marmelada!", pois o empate garantia a realização de mais dois jogos para definir o então chamado Supercampeonato.

    Consta que o jovem Clóvis Rossi ficou indignado e prometeu não voltar ao estádio. Mas não cumpriu.

    Veio o segundo jogo e novo empate: 2 a 2, com dois gols de Pepe, de pênalti, um gol contra de Getúlio e outro de Chinesinho.

    Ficou tudo mesmo para o terceiro jogo e apesar dos dois empates e do 5 a 1 do returno, o Santos era o favorito, pois teria as voltas de Jair Rosa Pinto e Pagão, que desfalcaram o time nos dois primeiros jogos. O garoto Coutinho substituíra Pagão.

    O menino de 9 anos não concebia que o trio dos "Pês", Pagão, Pelé e Pepe, pudesse perder, por mais que do outro lado estivessem Valdir de Moraes, Djalma Santos, Valdemar Carabina, Aldemar e Geraldo Scotto; Zequinha e Chinesinho; Julinho Botelho, Américo Murolo, Romeiro e Nardo.

    Porque o Santos era de Laércio, Urubatão, Getúlio e Dalmo; Formiga e Zito; Dorval, Jair Rosa Pinto, Pagão, Pelé e Pepe.

    No banco verde, Osvaldo Brandão. No alvinegro, Lula.

    O Palmeiras, em busca de seu 13º título, desde 1951 sem sentir o gosto de levantar a taça. O Santos em busca ainda de apenas a sua quinta conquista, mas campeão em 1955/56 e 58. O Santos de Pelé.

    O menino de 9 anos diante da TV e Clóvis Rossi, que jogava basquete nos juvenis do Esporte Clube Sírio, tentava não ser visto pelos que o ouviram prometer não voltar, mas, às vésperas de completar 17 anos, não conseguia se esconder com a imensa camisa palestrina que vestia esperançoso no estádio lotado.

    Pois fez muito bem em descumprir a promessa. Torcedor que é torcedor está dispensado de honrar a palavra quando contra o coração.

    Que jogo!

    O meninoPelé abriu o placar no começo da disputa. Era a terceira vez que o Santos saía na frente na decisão e ninguém mais acreditava em empate ou numa virada.

    Ninguém menos Julinho, que empatou ao faltarem dois minutos para terminar a fase inicial.

    O timaço esmeraldino envergava, mas não quebrava.

    Virou campeão no terceiro minuto do tempo final, com Romeiro, batendo falta, perfeita, milimétrica, inesquecível. Imponente.

    juca kfouri

    Tem mais de 40 anos de profissão. É formado em ciências sociais pela USP. Escreve às segundas, quintas e domingos.

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