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    Juca Kfouri

    As verdades da mentira

    25/01/2016 02h00

    BOM DIA!

    A coluna volta das férias no ano em que o Rio de Janeiro sediará o megaevento da Olimpíada.

    Oportunidade para durante duas semanas o Brasil "fazer ótima propaganda de si mesmo, embora com o risco de fazer má propaganda".

    A frase é dos autores do excelente livro "Soccerenomics", o inglês Simon Kupfer e o nigeriano, filho de mãe inglesa e pai polonês, Stefan Szymanski, lançado no Brasil pela editora Tinta Negra.

    A Copa do Mundo de 2014 foi exatamente assim e o país, aos olhos do planeta, ficou bem na foto, embora tenha erguido elefantes brancos em Manaus, Cuiabá, Brasília e Natal e não tenha cumprido nem a metade da metade das promessas sobre as melhorias nas 12 cidades sedes do torneio, além de ter sido financiada quase inteiramente por dinheiro público apesar de ter sido prometida como "a Copa do capital privado".

    Esportivamente, o legado que deixou é conhecido: o indelével 7 a 1 que teve como única providência a troca de Felipão por Dunga.

    Mas a imagem que a Copa deixou ao mundo é inegavelmente positiva.

    Prova de que "é possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade", frase da formidável campanha feita pela W/Brasil para esta Folha no final dos anos 1980, premiada com o Leão de Ouro do Festival de Cannes de 1988.

    A Rio-16 caminha pela mesma rota.

    Verdade que a Cidade Maravilhosa sairá dos Jogos melhor do que entrou, embora graças a desalojamentos impiedosos e sempre dentro da lógica perversa da cidade-empresa, a que substitui os bairros por unidades de negócio e os cidadãos por consumidores.

    Aqui se escreveu, em 2009, quando o Brasil ficou estabelecido como sede também da Olimpíada, do risco que corriam as duas vitórias obtidas pelo governo Lula: o de vê-las virarem tiros pela culatra.

    De fato viraram, ao menos sob o ponto de vista de gastos não prioritários e da preferência pelo acessório no lugar do essencial.

    Salta aos olhos, salto digno de medalha de ouro, o absurdo da crise da saúde pública fluminense enquanto se busca tirar o atraso das obras olímpicas.

    Pode um país querer ficar entre os dez primeiros do mundo no quadro de medalhas se não consegue ganhar nem da dengue?

    A festa será linda, inesquecível mesmo, o povo carioca dará outro show de hospitalidade, vamos nos emocionar uma porção de vezes, alguns de nossos atletas se superarão como sempre, outros chorarão e quase nada ficará para a próxima Olimpíada, em 2020.

    Os de sempre contabilizarão seus lucros e rirão das nossas caras como ri quem garantiu ocupação plena nos estádios multiusos de Brasília, Manaus, Cuiabá e Natal.
    Como se sabe, Madonna e Paul McCartney não param de se apresentar por lá e os jogos do Brasiliense e do Fast vivem lotados.

    Resta agora fazer o melhor que for possível.

    Afinal, "se o estupro é inevitável, relaxa e goza", diz a frase cretina de autor anônimo e subserviente, covarde e incapaz de resistir até a última gota.

    Cobrir a Rio-16 será um excelente desafio para o cérebro e para o coração.

    Será encantador se o homem cordial (de cordis, coração) vencer, mas nada indica que venha a acontecer.

    Que a verdade vença.

    juca kfouri

    Tem mais de 40 anos de profissão. É formado em ciências sociais pela USP. Escreve às segundas, quintas e domingos.

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