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    Julia Sweig

    Ortodoxia e geografia

    05/06/2013 03h00

    Lendo a cobertura feita pela imprensa regional e internacional da Aliança do Pacífico, poderíamos concluir que os problemas da América da Latina acabaram, pelo menos para seus países-membros. Sim, o livre movimento de pessoas e capitais, a integração das cadeias de oferta e a ampliação do comércio global são essenciais para se prosperar numa economia global. E, sim, todo país no mundo precisa de uma estratégia para enfrentar os altos e baixos da China.

    Mas respiremos fundo antes de supor que a marca latino-americana mais recente seja uma "divisa continental" permanente ou a panaceia que vá superar os obstáculos estruturais à conquista de democracias seguras e de classe média.

    Acordos comerciais são estratégias de investimento; a comunidade empresarial, ao menos a moderna, os adora. Mas eles não são arquitetados para substituir políticas públicas cruciais para o desenvolvimento humano, a segurança dos cidadãos ou a solvência fiscal.

    Na realidade, mexicanos, chilenos, colombianos e peruanos sabem muito bem que o comércio, por si só, não substitui um Estado inteligente e que crescimento sem inclusão social e instituições fortes é uma receita de conflitos violentos e instabilidade. Em comparação com o modelo de crescimento a qualquer custo visto alguns anos atrás, o consenso entre cidadãos e líderes dos países da Aliança do Pacífico sobre investir na educação e no bem-estar das populações, e em estratégias para reduzir a pobreza e a desigualdade, tranquiliza esta cética aqui.

    Mais perturbadora é a sugestão frequente de que a Aliança do Pacífico seria a irmandade da liberdade capitalista dos modernos do século 21, enquanto o Mercosul teria se tornado o clubinho de militantes socialistas antiquados que preferem ler Lênin e Galeano a Hayek e De Soto. E a corrida para apontar vencedores regionais, quer seja em contextos econômicos ou diplomáticos e institucionais, mostra que o apelo irresistível do concurso de beleza continua forte na América Latina.

    E é aqui que surge a pergunta: para onde vai o Brasil? O boom econômico de 2003-2010 chegou ao fim. A inflação ganha força aos poucos. Dentro da América Latina, o Brasil parece ter tomado a decisão de buscar o máximo benefício comercial do seu próprio mercado interno e do interior das fronteiras altamente imperfeitas mas ampliadas do Mercosul. Na outra margem, do Atlântico, como acaba de demonstrar a viagem da presidente à África, oportunidades enormes aguardam.

    No entanto, a nova normalidade inescapável parece ser que o Brasil, mesmo com um brasileiro na direção da OMC, fica de fora de várias novas constelações de blocos comerciais internacionais. É verdade que a autonomia na política externa tem raízes profundas na história brasileira. Mas, para um país que aprecia a tolerância da heterodoxia --nas esferas econômica, política, ideológica e diplomática--, poderia a ortodoxia comercial às vezes ser dolorosa? Por outro lado, se estivermos de fato vendo a lógica da geografia reescrever a geoeconomia da América Latina, isso seria realmente tão terrível assim?

    Tradução de CLARA ALLAIN

    julia sweig

    Escreveu até maio de 2015

    É pesquisadora-sênior na Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, da Universidade do Texas, em Austin (EUA).

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