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    Julia Sweig

    Justiça em paradoxo

    03/07/2013 03h00 Erramos: o texto foi alterado

    Na semana passada, a Suprema Corte dos EUA tomou duas decisões bem divergentes, uma sobre direito civil e outra sobre casamento gay.

    A Lei do Direito ao Voto, de 1965, foi promulgada sob o mandato de Lyndon Johnson, o maior defensor dos direitos civis na Presidência dos EUA desde Abraham Lincoln.

    O cerne da lei era submeter ao escrutínio do governo federal os Estados que escandalosamente impediam alguns eleitores de participar das suas eleições. O objetivo era permitir votações livres de manobras racistas, que tentavam sufocar o voto negro e haviam se multiplicado descontroladamente no século 19, até alimentar enormes protestos por direitos civis no século 20.

    Apesar das conquistas desde então, a supressão de votos em níveis local e estadual, principalmente em distritos com grande população afro-americana ou hispânica, ainda é um problema nos EUA. Mas a maioria conservadora da Suprema Corte americana decidiu que, apesar da revalidação da lei pelo Congresso em 2006, essa norma já havia atingido seu propósito.

    Quanto ao casamento gay, a Suprema Corte decidiu que a Lei de Defesa do Casamento (Doma, em inglês), de 1996, aprovada durante e com o apoio do governo Bill Clinton, não poderia negar benefícios federais a casais que haviam se unido sob leis estaduais que permitiam o casamento gay.

    A Corte também deliberou que a decisão de uma instância judicial do Estado da Califórnia que questionava a legalidade de um plebiscito contra o casamento gay --sim, é confuso mesmo-- tinha validade.

    Em outras palavras, do ponto de vista técnico, tanto no caso da Lei do Direito ao Voto quanto nas duas normas sobre casamento gay, a corte decidiu que o governo federal deve se limitar ao lidar com atividades reguladas pelos governos estaduais. Porém, a história dos EUA mostra que a excessiva autonomia dos Estados pode ameaçar a promoção constitucional de direitos iguais para todos os americanos.

    O princípio de que direitos gays são direitos civis é relativamente novo na vida pública dos EUA. A euforia sobre a rapidez --uma década-- com que o casamento gay passou de um assunto abafado para ser algo banal é totalmente justificada. E encarna a justiça que a Constituição promove e protege. Ainda assim, em um período de 24 horas, a corte também anulou uma das mais importantes conquistas da história dos direitos civis.

    Escrevendo para a minoria, os juízes que se opuseram à decisão da corte sobre a Lei do Direito ao Voto, pela voz da mordaz e dissidente juíza Ruth Ginsberg, fizeram uma pontual observação da relevância da permanência da lei: "Assim como os edifícios da Califórnia precisam ter sua estrutura reforçada contra terremotos, lugares com grande polarização racial nas eleições precisam de medidas profiláticas para evitar a discriminação racial."

    O próximo mês marca o 50º aniversário da Marcha de Washington, a histórica manifestação liderada por Martin Luther King Jr. que deu à Casa Branca e ao Congresso a demonstração pública necessária para conduzir a mais importante reforma política do século 20. Voltarão os americanos às ruas?

    julia sweig

    Escreveu até maio de 2015

    É pesquisadora-sênior na Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, da Universidade do Texas, em Austin (EUA).

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