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    Julia Sweig

    Dois pesos e duas medidas

    06/11/2013 03h10

    Sejamos francos: depois de oito anos de George W. Bush na Casa Branca, quando guerras de mudança de regimes, unilateralismo, tortura e Guantánamo tinham alienado o público de muitos países aliados de Washington, era fácil fantasiar que um novo elenco de personagens, especialmente se liderado por um democrata liberal e afroamericano, poderia restaurar em pouco tempo a posição dos EUA no mundo.

    Obama tomou posse afirmando ter em alta estima o valor do "respeito decente pelos pontos de vista de outros", contido na Declaração de Independência. Trabalhar multilateralmente, até "liderar desde a retaguarda" (uma frase horrível), mostrariam ao mundo que Washington tinha uma visão nuançada do poder e suas assimetrias.

    Obama parecia compreender intuitivamente que, para a diplomacia americana, menos pode ser mais.

    Cinco anos depois, a espionagem da NSA sobre os mais importantes parceiros dos EUA na Europa e na América Latina expôs uma dinâmica que muitos em Washington simplesmente não enxergam, ou então optam por ignorar: a não ser que você seja anglo-saxão, ou especificamente o Reino Unido, as alianças contêm as sementes de sua própria vulnerabilidade.

    Há muitas lições a tirar da diferença da reação em Washington a Angela Merkel e Dilma Rousseff. A mais óbvia é que o eurocentrismo da política externa americana é muito difícil de superar na prática.

    A aliança íntima e de longa data da Alemanha com os EUA é vista pelo establishment americano de política externa como uma das conquistas estratégicas mais importantes do pós-Segunda Guerra Mundial.

    A Alemanha raramente deixa de ser bem considerada pela política externa de Washington. Quando o país se abstém de votar resoluções do Conselho de Segurança autorizando o uso de força, Washington interpreta a rejeição ao militarismo como resultado direto e até desejável da história alemã no século 20.

    Do mesmo modo, Washington compreende sem dificuldade a lógica da indignação de Angela Merkel diante da violação de sua privacidade pela NSA e a insistência dela de que o direito à privacidade é essencial na democracia que a Alemanha lutou para conquistar.

    O Brasil, por outro lado, pode muito bem ser a sexta maior economia do mundo, mas Washington ainda reage mal à insistência brasileira em seguir uma política externa independente . Até Merkel se manifestar, os EUA reagiram com impaciência quando Dilma articulou os mesmos argumentos para fazer objeção à intromissão da NSA.

    Enquanto as queixas de Merkel eram legítimas e compreensíveis, Dilma, concluíram alguns burocratas, foi movida mais pela política eleitoral e pelo antiamericanismo.

    É antiamericano ou simplesmente lógico o Brasil concluir que sua ascensão na ordem global terá mais chances de ser favorecida se o país liderar no cenário multilateral, e não se cultivar uma "parceria estratégica" com os EUA? Washington vai precisar participar, mas talvez o Brasil ainda possa ter as duas coisas --como a política externa de Dilma sugeriu até agora.

    @JuliaSweig

    Tradução de CLARA ALLAIN

    julia sweig

    Escreveu até maio de 2015

    É pesquisadora-sênior na Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, da Universidade do Texas, em Austin (EUA).

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