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    Julia Sweig

    Gastança brasileira nos EUA

    07/05/2014 02h00

    A edição da "New York Times Magazine" do último fim de semana publicou reportagem fotográfica de três páginas intitulada "Aonde os brasileiros vão para gastar a rodo", mostrando quantos milhares de dólares (convertidos de reais) brasileiros vêm gastando em bacanais de compras em Manhattan.

    Os valores são espantosos (como seriam se a "Veja" divulgasse valores semelhantes gastos por americanos em São Paulo): de US$ 15 mil a US$ 20 mil em 18 dias, no caso de uma mulher; um casal jovem desembolsou US$ 8.000; uma família, US$ 10 mil.

    Em 2012, turistas brasileiros gastaram R$ 5,3 bilhões nos EUA. Uma parcela importante disso foi para o turismo de classe média, nos parques temáticos e "outlets" da Flórida. É claro que os preços menores, comparados aos brasileiros, são parte da atração.

    Mas, deixando de lado o turismo de classe média, há algo que destoa fortemente no consumo conspícuo –quer seja do 1% mais rico dos americanos ou dos brasileiros– enquanto ambos os países estão no meio de um debate nacional sobre escassez, desigualdade e estagnação econômica.

    Não se trata de simplesmente mais um discurso populista irado. Tenho bons amigos no Brasil que viajam regularmente para sua meca amada de Manhattan. Só não o fazem com a aparente desinibição e indiferença das pessoas descritas pelo "New York Times".

    Imagino que deveríamos festejar esse tipo de poder de compra –e esse amor pela Grande Maçã–, vendo-os como sinal de que o Brasil chegou ao palco mundial. Ou, ao menos, reconhecer que as distorções na economia do próprio Brasil impõem parte desse comportamento.

    Mas o poder de comprar, de esgotar os limites de seus cartões de crédito, de incorrer em dívida familiar excessiva, bem: já vimos nos EUA como a concentração de riqueza no topo, uma classe média que mal consegue sobreviver e infraestrutura e serviços públicos em declínio podem enfraquecer a liderança internacional.

    Depender do consumo doméstico para movimentar o crescimento, no caso da nova classe média brasileira, ou depender de viagens seriais ao exterior para fazer compras, no caso dos mais ricos, complica os já onerosos desafios a uma potência de influência ainda incipiente.

    O contexto também tem importância. O aumento de 10% no Bolsa Família elevou o pagamento mensal mínimo para R$ 77 (US$ 34) por família. O valor médio recebido pelas famílias beneficiadas pelo programa passou para R$ 167 (US$ 75) –o preço de uma boa carne e um ingresso barato de teatro em Nova York, respectivamente. O custo do programa é de apenas R$ 24 bilhões, mero 0,528% do PIB de 2013.

    Nem o Bolsa Família nem os gastos dos turistas representam um dreno grande nas contas do Brasil. Mas o esforço para chamar a atenção do mundo para suas vitórias –emprego pleno, avanços no índice de alfabetismo e o exemplo de participação democrática encarnado pelo Marco Civil da Internet– está ficando à sombra do estudo dos contrastes de riqueza e pobreza.

    @JuliaSweig

    julia sweig

    Escreveu até maio de 2015

    É pesquisadora-sênior na Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, da Universidade do Texas, em Austin (EUA).

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