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    Julia Sweig

    De 1959 a 2014

    31/12/2014 02h00

    A história avança em micromomentos frequentemente mundanos e aparentemente banais. Mas às vezes temos a sorte de estar presentes quando ela nos apresenta dramas em escala hollywoodiana. Foi o que vivemos duas semanas atrás, quando Barack Obama e Raúl Castro, em transmissões quase simultâneas ao vivo, anunciaram sua decisão de normalizar as relações diplomáticas entre EUA e Cuba. Foi história criadora de legados para os dois presidentes e, francamente, para todos nós nas Américas.

    Americanos e cubanos viviam como adversários havia 56 anos. Embaixadas e embaixadores não poderão desfazer a cultura política, os maus hábitos e a desconfiança mútua de metade de um século. Depois de tanto tempo e com tanta assimetria, o que é um relacionamento "normal"? Gosto de visualizar os dois países avançando rumo a uma dinâmica mais natural, embora do século 21, uma que seja apropriada para os laços geográficos, familiares, econômicos e culturais que hoje e no futuro provavelmente vão contrabalançar as dores de crescimento políticas/diplomáticas.

    As previsões de como pode estar o relacionamento EUA-Cuba dentro de 56 anos estão além do horizonte desta observadora. Mas posso arriscar um palpite fundamentado sobre o que podemos prever nos próximos cinco a dez anos –um piscar de olho, em termos históricos.

    1) A onda de interesse empresarial americano por Cuba vai crescer e acabar submergindo quaisquer vestígios do "lobby cubano" anti-Castro ainda remanescentes no Congresso americano. (Não existe lobby cubano, na realidade, apenas alguns parlamentares cujos próprios eleitores hoje enviam US$ 2 bilhões por ano em remessas a Cuba e lotam os mais de 50 voos semanais de Miami a Havana).

    2) Cuba vai ajudar esse processo, selecionando algumas empresas americanas de alto perfil para investir em dois ou três setores-chave na ilha.

    3) O dinheiro cubano-americano –de remessas familiares até capital em grande escala– vai fluir pelas portas que Obama e Castro estão abrindo, e a economia do sul da Flórida também vai se beneficiar do aumento nos negócios bilaterais, da construção ao turismo. Isso significa que, possivelmente já nas eleições de 2016, será difícil mesmo para o candidato republicano contar com a velha retórica para conquistar eleitores da Flórida. Hillary Clinton já abraçou a mudança.

    4) Representantes latino-americanos no BID, FMI e Banco Mundial farão lobby pelo retorno de Cuba a essas instituições e ao financiamento que elas podem oferecer.

    5) A blogosfera cubana, já significativa, vai se transformar em meio de comunicação independente. É uma dinâmica que já está em curso ""e não me refiro só a Yoani Sánchez. Transparência e responsabilização de figuras públicas e de seus orçamentos hoje, oposição leal amanhã.

    Se você é administrador de um fundo hedge e está atento à desvalorização do rublo por Putin, outra crise da zona do euro ou o desabamento do preço do petróleo, este passo gigantesco na história de nossa região talvez não signifique muito para você. Mas pense outra vez.

    julia sweig

    Escreveu até maio de 2015

    É pesquisadora-sênior na Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, da Universidade do Texas, em Austin (EUA).

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