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    Katia Abreu

    O fim do acordo zero

    09/11/2013 03h00

    Li na "Economist" da semana passada que a China não precisa se preocupar com a dependência das importações de grãos, que no passado consumiram até 25% da receita de suas vendas externas. Afinal, lembrou a revista, esse gasto representa, hoje, apenas 2% das receitas obtidas com suas exportações.

    Depois desta semana em Pequim, em que participei de uma reunião com o vice-presidente Michel Temer e o presidente chinês, Xi Jinping, imagino que todos lemos o mesmo artigo. E com ele concordamos.

    A China deve seguir produzindo o que tem de melhor e continuar comprando, do resto do mundo -inclusive do Brasil-, o que de mais seguro e competitivo produzimos: alimentos. O vice-presidente do país, Li Yuanchao, sugeriu até que deixássemos de lado o sinal vermelho e adotássemos apenas o verde nas relações bilaterais.

    O verde dominou a pauta de Pequim. Conseguimos abrir a venda de milho e habilitar cinco frigoríficos que agora poderão exportar carne de frango para os chineses.

    Autoridades do governo da China comprometeram-se a visitar o Brasil até meados de dezembro, para habilitar outros frigoríficos de aves e, enfim, suspender o embargo à carne bovina brasileira. A suspensão de apenas três frigoríficos provocou queda de 22% nas exportações de carne de frango no primeiro semestre deste ano.

    Obstáculos à parte, a China é, hoje, nosso maior parceiro e o primeiro destino de nossas exportações. A despeito do pouco dinamismo do nosso comércio externo, nos últimos cinco anos, exportamos para o mercado chinês o equivalente a US$ 150 bilhões.

    O aceno de sinal verde ao Brasil vem em boa hora. Basta lembrar que, em 2012, a China importou o equivalente a US$ 1,75 trilhão, do qual apenas US$ 41 bilhões vieram do Brasil. É chegado o momento de aproveitarmos o real potencial da China.

    O atual governo chinês tem a meta de duplicar a renda per capita até o fim desta década. Está prestes a anunciar um conjunto de profundas reformas da economia, que, entre outras coisas, resultará no crescimento da demanda geral por alimentos, em especial os itens mais nobres da dieta, como as carnes.

    Nesse cenário promissor, é preciso articular um esforço de exportação muito mais organizado, envolvendo tanto o setor público -Ministérios da Agricultura, do Comércio Exterior, Itamaraty e Apex-Brasil- quanto o privado. Além dos exportadores tradicionais e das tradings, novas agroindústrias de médio e pequeno porte devem ser incorporadas.

    Desse modo, torna-se indispensável uma atitude do governo brasileiro, para livrar o setor produtivo dos enormes obstáculos de ordem burocrática e normativa.

    O Brasil pode e deve, no âmbito do agronegócio, encontrar novos caminhos para abrir o grande mercado chinês. Até agora, as relações econômicas sino-brasileiras evoluíram de modo espontâneo, por iniciativa de algumas grandes empresas.

    Ocorre, porém, que o aumento e a melhoria de qualidade dessas relações dependem de uma política deliberada de governo. E isso dentro de uma visão estratégica de longo prazo, que esteja aberta a considerar os interesses mútuos e a fazer concessões.

    Um dos equívocos a serem corrigidos é o modelo tarifário, que fez com que o Brasil exportasse 12 vezes mais soja em grão do que farelo ou óleo de soja. A causa disso é a política insana que tributa o óleo exportado em 18% de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e que isenta apenas a soja em grão.

    No caso da China, enfrentamos a escalada tarifária na exportação de alguns produtos, como o café. O grão verde é taxado em 8%, o torrado, em 15%, e o café solúvel, em inacreditáveis 34%. Um claro desestímulo à agregação de valor que precisa ser revisto.

    Este é o momento de construirmos, com os chineses, uma cooperação econômica mais madura e abrangente.

    Na verdade, o que eu espero do novo chanceler, Luiz Alberto Figueiredo Machado, é que ele aproveite a oportunidade que a China nos oferece e nos retire do vergonhoso ranking do acordo zero.

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