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    Katia Abreu

    Desmatamento eleitoreiro

    27/09/2014 02h00

    Na Cúpula do Clima em Nova York, nesta semana, foi anunciado com grande estardalhaço que o Brasil havia se recusado a aderir a um acordo mundial, visando à redução do desmatamento. Não deixa de ser estranho, embora tenha se tornado usual, culpar o Brasil pelo desmatamento em geral, quando somos um dos países mais preservacionistas do planeta. Os que nos criticam não preservam lá o que querem preservar aqui.

    O Brasil conserva 61% de suas vegetações e florestas nativas, chegando a mais de 80% na floresta amazônica. Nenhum país ostenta tais índices, sobretudo os mais desenvolvidos, cujas ONGS se voltam contra nós. Deveriam, isso sim, atuar em seus países-sede para que imitem o nosso país.

    Nosso país tem um instituto que não tem similar no mundo: o da Reserva Legal. Toda propriedade, segundo o bioma em que estiver situada, deve conservar a sua vegetação nativa, mantendo a biodiversidade local. Apenas o manejo sustentável é permitido. Na Amazônia Legal, o índice de conservação via Reserva Legal é de 80% da propriedade, no cerrado, 35%, e, no restante do país, 20%. São índices altíssimos.

    Por que os países desenvolvidos não adotam a Reserva Legal com índices não inferiores a 20%? Seria uma questão mínima de coerência e honestidade, ou estamos diante da hipocrisia. Por que não vociferam contra o desmatamento em seus próprios territórios? A quais interesses respondem?

    A lei também obriga os produtores rurais brasileiros a manter Áreas de Preservação Permanente (APPs) no entorno de cursos d'água, entre outros locais, para proteger as nascentes. Mas quando a CNA lançou -com a Agência Nacional de Águas e a Embrapa- a proposta das APPs mundiais, para que outros países também adotassem essa prática, durante o Fórum Mundial da Água de 2012 em Marselha (França), não recebemos apoio de nenhuma ONG ligada às causas ambientais.

    Novamente a apresentei na Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, e também não vi nenhuma ONG que a defendesse.

    O contexto eleitoral está, também, sendo a ocasião de confusões generalizadas sobre o desmatamento e o próprio significado desta palavra. É uma espécie de ópio ambientalista.

    Há um sentido pejorativo que foi atrelado à palavra desmatamento, como se ela significasse um ato voluntário e arbitrário de destruição da natureza. Embora isto possa ocorrer, sobretudo quando a propriedade não é assegurada, como acontece com os madeireiros ilegais na Amazônia, a realidade é bem outra. Se comemos, é porque a terra foi cultivada e não deixada à sua forma nativa.

    A produção de alimentos não cai do céu, mas é produto de um longo trabalho de cultivo da terra. Belas paisagens cultivadas são o resultado dessa transformação da natureza. O ser humano deve ser alimentado e os alimentos serão cada vez mais demandados no mundo.

    A fome deve necessariamente reduzir, pois o escândalo da pobreza não pode mais ser tolerado. A própria FAO já alertou o mundo sobre a urgência dessa questão. A situação alimentar global não serve para contorcionismos ideológicos.

    As terras terão de ser cultivadas com tecnologia para o aumento de produtividade para atender aos humanos, e o Brasil certamente terá um papel de destaque neste processo, pois já é um dos primeiros países produtores de alimentos e almeja a primeira posição.

    A luta deve ser contra o desmatamento ilegal. Se um proprietário preserva além da Reserva Legal a qual é legalmente obrigado, lhe é facultado cultivar a terra excedente a essa obrigação. É um direito seu, além de atender a uma demanda mundial por alimentos.

    Não podemos ser vítimas de um "desmatamento eleitoreiro", nem reféns de ONGS nacionais e internacionais, nem cair tampouco na armadilha de países que, para preservar os seus próprios interesses, se voltam contra nós. Desmatam lá e querem a preservação aqui.

    Logo, devemos reformular essa questão do "desmatamento". Somos sim contra o desmatamento ilegal e totalmente favoráveis a que os países desenvolvidos adotem os mesmos critérios brasileiros da Reserva Legal e da APP, exemplos para o mundo.

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