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    Katia Abreu

    Comércio e política

    08/11/2014 02h00

    Por mais que a retórica oficial insista em todos os foros internacionais que o comércio deve ser neutro em relação à política, não há como não ver que o comércio é uma poderosa arma de política externa e que os países mais relevantes da cena mundial não se cansam de usá-la. Vejamos o que se passa com a Rússia.

    Logo após os tumultos políticos envolvendo Rússia e Ucrânia, os Estados Unidos e a União Europeia impuseram aos russos um conjunto extenso de sanções econômicas, da restrição de exportações para empresas russas de energia e de equipamentos de defesa a severas restrições a transações financeiras que estão ferindo profundamente o país, muito dependente do sistema financeiro internacional.

    Em resposta, o governo russo, em vez de mobilizar suas forças armadas (ainda bem!), decidiu enfrentar essa nova modalidade de guerra fria com os instrumentos do comércio: impôs embargo à importação de carnes, peixes, leite e derivados, frutas e vegetais dos Estados Unidos, da UE, do Canadá, da Austrália e da Noruega.

    Não se trata de um negócio pequeno. A Rússia é um grande país, com população de 144 milhões de habitantes e um PIB de US$ 2 trilhões. Importa cerca de US$ 318 bilhões ao ano.

    No agronegócio, é o quinto maior importador mundial, ao comprar mais de US$ 44 bilhões/ano. Para ter uma ideia do tamanho e da importância desse mercado, basta que se diga que os russos importam 40% de todos os alimentos que consomem. Para produtores rurais de toda parte, o mercado russo foi sempre um grande objeto de desejo.

    O Brasil sempre esteve presente ali, apesar de inumeráveis dificuldades de ordem burocrática e sanitária, pois os russos sempre monitoraram criteriosamente o acesso a seu precioso mercado.

    Nos últimos cinco anos, o agronegócio brasileiro foi responsável por cerca de 95% das nossas exportações à Rússia, somando em média US$ 3 bilhões/ano. Isso contribui para um saldo comercial total expressivo, que já chegou a ultrapassar US$ 1 bilhão. Mas a verdade é que os maiores fornecedores do mercado russo sempre foram os europeus, que agora viram essas portas subitamente se fecharem.

    Todos sabemos que os governos não brincam quando o assunto é a garantia da oferta de alimentos à população. Ao fazer dos produtos alimentares o objeto das sanções contra europeus e americanos, o governo russo sabia que estava ferindo interesses muito importantes e difusos nesses países, causando danos econômicos a comunidades extensas de produtores.

    Escolheu um alvo que terá custos políticos relevantes nos países afetados. Mas, por certo, também calculou que poderia substituir facilmente esses países por novos parceiros que teriam capacidade e disposição de preencher o vazio que se abria. Caso contrário, provocaria crise no abastecimento de produtos básicos, abalando seu apoio político interno e a estabilidade econômica.

    O mundo não tem muitos países capazes de responder rapidamente a uma oportunidade como essa. O Brasil é um dos poucos. Se falharmos, a Rússia estará em apuros. Mas estamos respondendo, ao menos em parte.

    No caso das carnes, nossas vendas deram enorme salto no último trimestre. Comparando agosto de 2013 com agosto de 2014, as vendas de carne bovina cresceram 21%, as de carne suína 82%, e as de carne de frango 50%.

    Em setembro, a alta foi maior: 23% a mais de carne bovina, 227% de carne de frango e 173% de carne suína. E são valores altos. Somente em setembro, a soma desses três itens chegou a US$ 533 milhões.

    O mesmo se deu com as frutas. Quase não exportávamos e, só em setembro deste ano, vendemos 500 toneladas de bananas, 132 de mangas e 67 de uvas, abrindo, ainda que timidamente, um imenso mercado.

    Resta-nos, agora, o desafio de exportar leite, manteiga e queijo, demandados em grandes volumes e antes supridos por produção europeia. Com audácia e competência, poderemos nos tornar em lácteos também um grande produtor mundial.

    Isso tudo mostra que, apesar das dificuldades e das crises, a capacidade do agro brasileiro de criar riqueza ainda tem muito campo pela frente.

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