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    Kenneth Maxwell

    Virando o jogo

    29/05/2014 02h00

    A estratégia da Rússia está se tornando mais clara a cada dia. O acordo de gás natural com a China reforça a posição russa no leste. A China oferece um mercado garantido em longo prazo para as vastas reservas de gás natural da Sibéria. Vladimir Putin também obteve sucesso na obtenção de novos recursos naturais a oeste. A anexação da Crimeia traz com ela controle russo sobre as fontes de energia submarinas na metade norte do Mar Negro.

    As sanções ocidentais não parecem ter causado grande impacto sobre as maiores companhias do Ocidente, muitas das quais continuam a negociar com a Rússia, e mesmo com os membros do círculo íntimo de Putin que foram alvo de sanções pessoais. A BP assinou um acordo sobre xisto betuminoso com Igor Serchin, presidente-executivo da estatal petroleira russa Rosneft, na semana passada em São Petersburgo, em uma cerimônia assistida por um Putin sorridente.

    A China já retaliou contra os Estados Unidos pelo indiciamento de cinco oficiais do exército chinês por espionagem cibernética e roubo de segredos comerciais, ordenando que as estatais do país rompam relações com as consultorias McKinsey e Boston Consulting, por medo de que elas estejam espionando em favor do governo norte-americano.

    A Rússia vem desempenhando papel cada vez mais importante em meio à transformação da Primavera Árabe em um inverno profundo. O novo presidente egípcio, o marechal Abdel Fattah el-Sisi, foi recebido calorosamente por Putin em Moscou, que ele visitou para negociar um acordo de armas de US$ 2 bilhões depois que os Estados Unidos suspenderam parcialmente sua assistência militar anual. A Rússia continua a apoiar o regime de Assad na Síria. Na Líbia, as consequências da derrubada do regime de Gaddafi continuam a se fazer sentir, e Hillary Clinton e a Casa Branca estão enfrentando acusações de acobertamento com relação ao atentado que resultou na morte do embaixador dos Estados Unidos ao país, em Benghazi.

    Os Estados Unidos estão se preparando para retirar suas forças do Afeganistão. O Iraque continua grotescamente instável. Nenhum dos dois casos mostra grande resultado pelos anos dedicados a aventuras quixotescas no exterior. A Rússia poderia, se assim desejasse, intermediar um acordo quanto à questão nuclear do Irã, algo de que Obama precisa desesperadamente. Mas os países do Golfo Pérsico e a Arábia Saudita se sentem cada vez mais desconfortáveis diante da retirada norte-americana. O príncipe Turki al-Faisal, antigo chefe dos serviços de inteligência sauditas, disse que "o lobo continua a devorar os carneiros, e não há pastor que venha em socorro do rebanho".

    Na Índia, Narendra Modi, líder partido nacionalista hindu Bharatiya Janata, surpreendeu a muitos ao convidar os líderes dos países vizinhos que integram a Associação Sul-Asiática de Cooperação Regional, entre os quais o primeiro-ministro Nawaz Sharif, da República Islâmica do Paquistão, para sua elaborada cerimônia de posse como primeiro-ministro, em Nova Déli, depois da vitória esmagadora que obteve nas recentes eleições gerais indianas.

    Mas ninguém sabe ainda se Modi vai promover um relacionamento mais estreito entre a Índia e os Estados Unidos, e ele continua fortemente ressentido com os norte-americanos por lhe terem negado um visto de entrada no país em 2005 devido ao seu papel nos massacres de 2002 em Gujarat. Modi já visitou a China três vezes, e em sua mais recente visita foi recebido no Grande Salão do Povo. O presidente Xi Jinping claramente encara Modi como um astro em ascensão.

    Tudo isso deve causar momentos interessantes em Fortaleza, Ceará, durante a sexta conferência de cúpula do grupo BRICS, em 15 de julho, quando os líderes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul se reunirão, dois dias depois da final da Copa do Mundo no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. A anfitriã Dilma Rousseff, afinal, também tem seus problemas com Washington.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    kenneth maxwell

    Escreveu até julho de 2015

    É historiador britânico graduado em Cambridge (Reino Unido) com doutorado em Princeton (EUA). É referência na historiografia sobre o período colonial brasileiro.

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