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    Kenneth Maxwell

    Paradoxo

    04/12/2014 02h00

    Antonio Nunes Ribeiro Sanches foi médico, filósofo, pedagogo e historiador português nascido em março de 1699. A imperatriz da Rússia, Catarina, a Grande, lhe conferiu um brasão de armas que dizia que ele "acreditava ter nascido para ser útil, não a si próprio, mas ao mundo todo".

    Ribeiro Sanches era "cristão novo", descendente de judeus forçados a se converter ao catolicismo. Estudou na Universidade de Coimbra e se transferiu para Salamanca, onde obteve doutorado em medicina. Denunciado à Inquisição, viveu em exílio. Em Londres, assumiu seu judaísmo e foi circuncidado. Mas mais tarde, em Paris, voltou a se tornar cristão. Em seu diário pessoal, porém, mostrava-se cético quanto às duas religiões. Em Londres, foi o médico do enviado português Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde Marquês de Pombal.

    Estudou na Holanda, com o grande médico Hermann de Boerhaave. Viajou a Viena por recomendação do colega estudante Van Swieten, que foi médico de Pombal. Depois foi à Rússia, onde passou 15 anos como médico no Exército russo e mais tarde no corpo imperial de cadetes. Foi membro da Royal Society de Londres, da Academia de Ciências de São Petersburgo e da Academia de Ciências de Paris.

    Autor de obras sobre doenças venéreas, saunas russas, necessidade de abolir a distinção entre "cristãos novos" e "cristãos velhos" e reforma educacional, Ribeiro Sanches chegou a Paris em 1747, onde viveu até sua morte, em 1783.

    Quando Pombal se tornou ministro chefe em Lisboa após 1750, Ribeiro Sanches foi conselheiro pago do governo. Após o grande terremoto de Lisboa em 1755, o governo patrocinou, em 1756, a publicação de sua obra "Tratado de Conservação da Saúde dos Povos", à qual ele adicionou observações sobre as "causas naturais" dos terremotos.

    Isso provocou um ataque do missionário italiano Padre Gabriel Malagrida, que passou a maior parte da vida no Brasil. Ele dizia que o terremoto era castigo de Deus. Pombal via os jesuítas como inimigos. Uma tentativa de assassinar o rei havia chegado perto do sucesso, e se dizia que aristocratas estavam envolvidos. Pombal os destruiu. Depois, denunciou Malagrida à Inquisição. O jesuíta foi condenado, garroteado e queimado na estaca em 1761. Foi o último "auto da fé" da história de Portugal.

    Ribeiro Sanches estava certo: o terremoto teve causas naturais. Ele aconselhou Pombal sobre a modernização da Universidade de Coimbra, com a introdução de um currículo avançado de ciências naturais e medicina. No entanto, paradoxalmente, para Voltaire não era o "esclarecido" Ribeiro Sanches, mas o "auto da fé" do jesuíta Gabriel Malagrida, que oferecia a imagem indelével de Portugal no século 18.


    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    kenneth maxwell

    Escreveu até julho de 2015

    É historiador britânico graduado em Cambridge (Reino Unido) com doutorado em Princeton (EUA). É referência na historiografia sobre o período colonial brasileiro.

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