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    Kenneth Maxwell

    História e memória

    26/02/2015 02h00

    Lembro que um dos primeiros choques que sofri ao chegar a Princeton em 1964 foi ver o nome de Lawrence Stone na porta de uma das salas de professores do departamento de História. Stone era um historiador eminente "exilado" de Oxford, vítima das amargas disputas do mundo acadêmico inglês. Seu campo de estudo era a Inglaterra da era Tudor, e os debates mais acrimoniosos se relacionavam à ascensão (ou queda) da pequena nobreza rural.

    Stone havia sido ferozmente atacado em um artigo de Hugh Trevor-Roper, outro eminente historiador de Oxford. Trevor-Roper era um ensaísta brilhante, e usou todo o seu formidável talento para destruir a reputação de Stone, que bateu em retirada para o outro lado do Atlântico, rumo à Princeton. O problema, para mim, era que eu estava em Princeton exatamente para escapar da história dos anos Tudor, que me havia sido ensinada ininterruptamente desde que eu era menino.

    Mas felizmente eu havia me transferido para trabalhar sob a orientação de Stanley Stein e, como o Brasil não constava das prioridades do professor Stone, consegui evitar seu curso sobre quantificação da nobreza rural.

    O caso me veio à memória esta semana porque a série de época "Wolf Hall", da BBC, baseada no romance de Hillary Mantel, chegou ao seu clímax ontem (25). É a história de Thomas Cromwell, o faz-tudo de Henrique 8º. Boa parte da filmagem de "Wolf Hall" foi realizada em uma impressionante mansão Tudor, que por sua vez me fez lembrar de meus dias como aluno de graduação na Universidade de Cambridge.

    Quando aluno de Cambridge, eu amava os cintilantes ensaios históricos de Trevor-Roper, e citei um deles em trabalho acadêmico. Meu tutor, Edward Miller, era o mais calmo e minucioso dos historiadores. Mas irrompeu em uma diatribe de raiva incontrolável, repleta de palavrões. O Dr. Miller definiu Trevor-Roper como vilão incorrigível, completamente inescrupuloso, desprovido de princípios e indigno de confiança; o Dr. Miller havia sofrido o infortúnio de tê-lo conhecido durante a Segunda Guerra Mundial.

    Fui proibido de mencionar o nome de Trevor-Roper de novo e usar como fonte qualquer de seus textos. Mais tarde, ele veio a pagar por seus pecados, de certa forma. Trevor-Roper confirmou a autenticidade dos diários de Hitler –mas ele estava enganado, eram falsificações, para imensa satisfação de seus muitos detratores acadêmicos.

    Eram essas as tribulações de um jovem aspirante a historiador no começo dos anos 60. Suponho que essas tenham sido algumas das razões para minha reação inicial de horror ao ver o nome do professor Stone em Princeton, e de minha alegria por escapar a um mundo de disputas pessoais incessantes, tão destrutivas, e encontrar refúgio nos (comparativamente) ternos braços da história do Brasil.


    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    kenneth maxwell

    Escreveu até julho de 2015

    É historiador britânico graduado em Cambridge (Reino Unido) com doutorado em Princeton (EUA). É referência na historiografia sobre o período colonial brasileiro.

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