• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 15:43:10 -03
    Kenneth Maxwell

    Os idos de março

    19/03/2015 02h00

    Faz 30 anos que a democracia foi restabelecida no Brasil, quando José Sarney se tornou presidente interino, em 15 de março de 1985. Foi um momento de grande apreensão. Em 15 de janeiro, o governador de Minas Gerais havia sido eleito por um colégio eleitoral como primeiro presidente civil do Brasil depois de duas décadas de domínio militar. Mas Tancredo adoeceu gravemente e morreu em 21 de abril. Ironicamente, a mesma data em que seu grande herói e conterrâneo, Tiradentes, foi enforcado, decapitado e esquartejado no Rio de Janeiro, em 1792.

    Tancredo Neves era um político imbuído da discrição mineira e um supremo praticante da arte do possível. Era também um democrata. Criou alianças habilidosas para garantir sua eleição. Em 15 de janeiro de 1985, na Câmara dos Deputados, em Brasília, o colégio eleitoral votou em seu favor por 480 a 180 votos, com 26 abstenções e ausências.

    Elio Gaspari, então trabalhando para a "Veja", me conseguiu uma credencial de imprensa por meio da sucursal da revista em Brasília, e assisti da galeria da imprensa.

    Sentado atrás de mim estava Alan Riding, correspondente do "New York Times" no Brasil. Aquilo que vi me empolgou muito. Mas me lembro de que Riding não se impressionou nem um pouco. Seria tudo "mais ou menos o mesmo", ele resmungou. Mas não poderia estar mais errado, apesar da inesperada morte de Tancredo apenas três meses mais tarde. A despeito dos alarmes e das reviravoltas inesperadas do destino, a nova democracia inaugurada naquele dia sobreviveu, e continua a fazê-lo depois de 30 anos. Pelo menos até agora.

    A eleição de outubro passado viu Dilma Rousseff reconduzida ao posto por uma das menores margens na história do Brasil, e o país fortemente dividido em linhas regionais e de classe. O escândalo de corrupção na Petrobras só dificultou a tarefa da presidente. E apesar de ter nascido em Minas Gerais, ela não mostrou nem traço do formidável talento político de Tancredo Neves.

    O 15 de março marcava os "idos de março". Foi o dia em que Júlio César foi assassinado no Senado romano em 44 a.C., e que marca a transição da república para o império romano. As multidões que tomaram a avenida Paulista domingo passado eram unânimes em sua oposição à corrupção. Gritavam ruidosamente pelo impeachment de Dilma Rousseff. Bateram panelas e frigideiras com entusiasmo. Mas a última vez em que isso aconteceu foi durante a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, pouco antes do golpe de 1964.

    É cedo demais para prever uma mudança de regime. Mas não é cedo demais para apontar que o Brasil enfrenta seu mais sério desafio de governança desde que a democracia foi restaurada, 30 anos atrás.

    kenneth maxwell

    Escreveu até julho de 2015

    É historiador britânico graduado em Cambridge (Reino Unido) com doutorado em Princeton (EUA). É referência na historiografia sobre o período colonial brasileiro.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024