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    Kim Kataguiri

    Haddad faz com São Paulo o que Dilma fez com o Brasil

    16/08/2016 08h28

    Em recente entrevista ao "Estado de S. Paulo", o prefeito Fernando Haddad (PT) afirmou que "golpe" é uma palavra "um pouco dura" para descrever o processo de impeachment de Dilma Rousseff.

    Poucos dias depois, num evento de pré-campanha com o ex-presidente Lula, discursou sobre a "luta contra o golpe" para inflamar a militância. A contradição reflete perfeitamente a situação do prefeito: para se eleger, precisa do PT, mas, ao mesmo tempo, não pode parecer petista.

    A militância do PT e o empenho de suas principais lideranças em reeleger Haddad deixa claro que o prefeito é uma das principais esperanças para a sobrevivência do petismo. Ele é um dos únicos quadros do partido que ainda não foram completamente inviabilizados politicamente pelas revelações da Operação Lava Jato. Pelo menos por enquanto.

    Muitos defensores de Haddad -que, curiosamente, sempre são membros daquela elite altruísta que se sente culpada por ser elite- dizem que ele é um político independente, que não tem nenhuma relação com todas as falcatruas ou politicagens do PT. Parece-me um pouco esquisito que um partido ceda sua legenda, dinheiro do diretório nacional, tempo de TV e diversos outros recursos para um estranho concorrer à prefeitura da maior cidade do país. Isso sem falar das generosas doações de empreiteiras próximas ao partido que, por sinal, agora estão envolvidas na Lava Jato.

    "Ah, mas ele defende os mais pobres! Foi o melhor prefeito que a periferia já viu!". Quem faz essa defesa enfadonha é o típico coxinha vermelho para quem "periferia" não passa de uma abstração a ser utilizada em discursos políticos. Segundo o Datafolha, as intenções de voto do petista entre os eleitores com renda média de até dois salários mínimos são de apenas 7%.

    Não é por menos: segundo levantamento de setembro de 2015 da Folha, duas em cada três obras prometidas por Haddad na periferia não foram entregues. Em sua defesa, o prefeito culpou o governo federal, então comandado por Dilma Rousseff. Ora, que tipo de político não consegue dialogar nem com o governo do próprio partido para cumprir suas promessas?

    Mas o pessoal descolado das regiões mais centrais —onde Haddad possui a melhor avaliação— não liga para nenhum desses números. Para essa gente, as ciclovias justificam todo e qualquer erro da gestão petista. "Sabia! Você é um fascista carrocêntrico que odeia ciclovias!". É óbvio que ninguém é contra ciclovias por princípio. A questão é muito mais profunda.

    Em primeiro lugar, se fôssemos escrever uma lista de prioridades para a cidade de São Paulo —coisa que Haddad evidentemente não fez—, a necessidade de ciclovias com certeza não estaria entre os primeiros itens.

    Numa cidade com tantos problemas sociais, deficiências na saúde, na educação e na mobilidade urbana, uma das menores preocupações é construir ciclovias. O que parece é que o prefeito petista só queria um programa para chamar de seu e uma desculpa para sua militância defendê-lo.

    Além disso, a maneira com que as obras foram conduzidas passou bem longe do ideal. A maior parte dessas ciclovias não passa de um monte de tinta jogada no chão, muitas vezes dividindo espaço com corredores de ônibus, calçadas e até mesmo com árvores no caminho. Isso sem falar no custo: segundo reportagem da revista "Veja São Paulo", a ciclovia da Faria Lima custou, em média, 650 mil reais por quilômetro, contra os 129 mil reais da construída em Paris, por exemplo. Detalhe: tudo isso realizado sem licitação.

    Por mais que Haddad tente disfarçar, não há como negar que ele não só faz parte de um dos partidos mais incompetentes e autoritários da história do país como é adepto do mesmo modus operandi de seus colegas. Descaso com a periferia, obras superfaturadas, a criação de uma verdadeira indústria da multa e discursos para agradar socialistas de tríplex são a reprodução clara de um meio de se fazer política que foi extirpado do governo federal.

    É coordenador do Movimento Brasil Livre.

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