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    Laura Carvalho

    Versão brasileira

    08/10/2015 02h00

    O ex-ministro da Fazenda chileno Andrés Velasco, em palestra sobre a crise na zona do euro, em 2013, lembrou que todos os países latino-americanos já caíram uma vez no erro de tentar manter fixa a taxa de câmbio. Exceto os argentinos, que, insistentes, tentaram duas vezes.

    Desde que sofremos a nossa crise cambial em 1999, o fim do câmbio fixo permitiu uma redução substancial da taxa de juros no Brasil.

    No entanto, dada a ineficácia dos mecanismos mais tradicionais da política monetária, que pode ser explicada, em parte, pelas deficiências do nosso mercado privado de crédito, o Banco Central nunca deixou de utilizar os juros altos como forma de atrair capital estrangeiro, valorizar o câmbio e, assim, ancorar os preços.

    Preços esses que, pela estrutura de indexação de contratos que ainda persiste no país, respondem muito às desvalorizações cambiais.

    O problema é que os juros altos também afetam o custo de serviço da dívida pública, exigindo superavits primários maiores para a sua estabilização. Esse efeito colateral sempre existiu, principalmente pelo peso de mais uma de nossas jabuticabas: os títulos públicos indexados à própria taxa básica de juros, a Selic.

    Assim, a elevação desproporcional dos juros pelo Banco Central desde o início do ano para combater uma aceleração da inflação, que era fruto sobretudo dos efeitos da seca e do reajuste das tarifas represadas, nos colocou em uma sinuca do ponto de vista da dinâmica da dívida.

    Acrescente-se a ela o custo fiscal dos chamados swaps cambiais, que vêm sendo utilizados maciçamente para frear a desvalorização do real.

    Para reduzir a volatilidade cambial e impedir seus impactos inflacionários em contextos de forte movimento especulativo nos mercados internacionais, melhor seria aproveitar uma eventual calmaria para taxar os derivativos de câmbio (mercado futuro de dólar), desta vez de forma simétrica.

    Por outro lado, o ajuste fiscal, ainda que tenha se mostrado contraproducente para a melhora das contas públicas por seu impacto negativo sobre a confiança dos agentes privados, o crescimento e a arrecadação tributária, obteve os efeitos desejados por seus defensores no que tange à convergência das expectativas de inflação para a meta no ano que vem, pois aprofundou a recessão, elevou o desemprego e reduziu os salários.

    Assim, mesmo que agora a inflação acelere por conta da alta do dólar, não é de se esperar que saia de controle.

    Não é, portanto, a política fiscal que vem dificultando o controle da inflação, e sim a política monetária que está prejudicando a estabilização da dívida. A culpa é do nosso regime de metas de inflação disfuncional, que por se basear no ano-calendário e em um índice de preços amplo demais, acaba levando a reações exageradas do Banco Central.

    O único lado bom dessa história é que não corremos o risco de uma crise cambial como a de 1999.

    Hoje a alta do dólar aumenta o valor das nossas reservas, o que diante da quase inexistência de dívida externa, reduz muito a dívida líquida do governo.

    Isso, é claro, se não nos aventurarmos a utilizar todas as reservas para controlar o câmbio. Um erro desse tipo só serviria para enriquecer futuras palestras de Andrés Velasco com uma versão brasileira da teimosia argentina.

    laura carvalho

    Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve às quintas-feiras.

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