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    Laura Carvalho

    Cegos no tiroteio

    29/10/2015 02h00

    Diante da recessão de 3% do PIB projetada para 2015, começam a aparecer notícias de que o governo está estudando medidas de estímulo ao crédito ao consumidor. Essa expansão viria de uma redução pelo Banco Central das exigências de manutenção de capital próprio e reservas compulsórias pelos bancos, condicionada ao maior desembolso de crédito para consumo.

    As medidas de estímulo e desestímulo ao crédito são mais um exemplo do zigue-zague da política econômica dos governos Dilma Rousseff, que tem se especializado também em errar o timing das decisões tomadas, sobretudo por ceder a pressões de quem só deseja desestabilizar seu governo ou ver atendidos seus interesses imediatistas.

    Após a eclosão da crise de 2008, ficou claro nos países avançados que o estímulo ao crédito jamais pode ser usado como compensação pela estagnação dos salários e pelo aprofundamento das desigualdades. Isso porque um endividamento maior sem crescimento da renda serve apenas para dar sobrevida ao consumo e alimentar bolhas financeiras, mostrando-se, mais cedo ou mais tarde, insustentável.

    Os efeitos de utilizar o crédito como substituto dos salários ainda se fazem sentir nessas economias, que sofrem com os esforços de redução de consumo para o pagamento de dívidas acumuladas pelas famílias.

    A expansão do crédito no Brasil nos anos 2000 felizmente não seguiu essa fórmula. As restrições no acesso ao crédito foram reduzidas justamente quando os salários cresciam, o nível de emprego subia e a desigualdade caía.

    As linhas de crédito consignado, por descontarem os pagamentos diretamente da folha de salários dos tomadores, preservam uma relação estrita com sua condição financeira.

    Mesmo assim, quando a economia cresceu 7,6% em 2010, os temores de um possível superaquecimento da demanda levaram o governo a frear a expansão do crédito com medidas macroprudenciais restritivas sobre algumas linhas de financiamento. Tais medidas, quando somadas ao ajuste fiscal realizado em 2011 e ao impacto inflacionário da desvalorização cambial de 2011 e 2012, serviram para desacelerar o consumo.

    Com o mercado interno minguado e o externo também, os empresários pararam de investir e o governo se dedica desde então a procurar novas fontes de crescimento nos lugares mais improváveis.

    Tentou primeiro ressuscitar o investimento com desonerações fiscais custosas, só para se deparar com a realidade de que os empresários não compram novas máquinas quando não estão sequer produzindo e vendendo tudo aquilo que podem.

    Neste ano o governo partiu para as oferendas aos empresários e ao mercado financeiro por meio do ajuste fiscal e das altas taxas de juros, apelando para motores ainda mais místicos do crescimento, sem notar que na verdade o enterrava.

    Ao se deparar mais uma vez com a realidade, o governo estaria apostando agora na volta do crédito, em vez de tentar preservar salários e empregos. Se for verdade, a notícia preocupa mais por revelar o quão perdido está do que propriamente por seus desdobramentos.

    Não que substituir renda por crédito não seja sempre perigoso, mas a dúvida é se tais medidas terão qualquer efeito em uma economia em que consumidores e bancos não têm nenhuma razão para arriscar.

    laura carvalho

    Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve às quintas-feiras.

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