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    Laura Carvalho

    Choque de confiança

    28/01/2016 02h00

    A presidente Dilma se reúne hoje com empresários, banqueiros e outros representantes da sociedade civil no chamado "Conselhão" –o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social–, no qual deve discutir estratégias para a retomada da economia brasileira.

    Além dos temas já antecipados e que não geram entusiasmo, como o da reforma da Previdência, espera-se que a reunião sirva de oportunidade para a apresentação de uma agenda nova e positiva para o país sair da crise.

    Falas recentes do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e do ex-presidente Lula em sua entrevista a blogueiros sugerem que um dos caminhos incluídos será o de estímulo ao crédito para consumo e investimento, via bancos públicos. Embora o formato da política ainda não tenha sido revelado, não é difícil imaginar os motivos que levaram à sua formulação.

    Por um lado, o governo entendeu que não pode continuar liderando o clube das expectativas desfavoráveis com seu discurso negativo pautado há um ano apenas pelo ajuste fiscal. Por outro lado, teima em aderir ao consenso liberal conservador de que não há espaço fiscal para a retomada dos investimentos públicos. O estímulo via crédito restaria como única opção.

    Não que essas medidas não possam gerar algum resultado em setores específicos, mas certamente não terão a capacidade de induzir uma retomada do consumo e do investimento no conjunto da economia.

    Em períodos de crise econômica e insegurança sobre o futuro, os agentes privados não desejam consumir e investir mais. Muitos têm seus rendimentos cada vez mais comprometidos pelo desemprego, pela inflação e pelo pagamento de juros e amortizações de dívidas contraídas no passado. Tomar mais crédito em um contexto como esse seria temerário.

    Quando o setor privado está em processo de desalavancagem, é o Estado que deve voltar a investir, gerando empregos e renda. As evidências mostram que os investimentos públicos têm grande capacidade de induzir investimentos privados, pois dinamizam o mercado interno e recuperam expectativas sobre a demanda.

    No caso de investimentos em infraestrutura –um dos itens dos quais o país é mais carente–, há também uma redução nos custos e uma melhora na produtividade das empresas, o que recupera suas margens de lucro sem a necessidade de elevação de preços. Assim, esses investimentos, se bem-sucedidos, podem até ajudar no controle da inflação.

    "Mas com que fonte de financiamento?", pode se perguntar o leitor que ainda acredita na história de que o Orçamento público funciona como o orçamento doméstico.

    Na macroeconomia, a redução de cerca de 40% nos investimentos públicos feita no ano passado trouxe mais recessão e diminuiu a arrecadação de impostos. O quadro fiscal, que já vinha se deteriorando desde a substituição dos investimentos públicos por desonerações tributárias e outros subsídios de baixo retorno, só podia mesmo se agravar.

    Como disse o empresário Benjamim Steinbruch em sua coluna nesta Folha de terça-feira, 26 de janeiro, o país precisa de um choque de confiança.

    Se a pauta de desenvolvimento que o ministro Barbosa promete levar ao Congresso conseguir convencer seus membros de que o governo voltou a confiar em si mesmo, talvez obtenha em troca o fim das desonerações, a CPMF e outras medidas que ajudariam a financiar uma estratégia de retomada.

    laura carvalho

    Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve às quintas-feiras.

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