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    Laura Carvalho

    O mar está para monstros

    28/04/2016 02h00

    Quando indagado sobre o espaço aberto por crises econômicas para o fortalecimento do campo progressista, Yanis Varoufakis, em palestra proferida na segunda-feira (25) na New School, em Nova York, foi categórico: "Tempos de grave recessão não são tempos revolucionários, são tempos que criam monstros".

    A resposta pode à primeira vista parecer contraditória com a sua própria experiência recente enquanto ministro da Fazenda da Grécia por um partido de esquerda que deve boa parte de sua existência –e certamente de sua vitória nas urnas– à grave crise que assola o país. Quiçá o fracasso de Varoufakis nas negociações com a "troica" formada por União Europeia, Banco Central Europeu e FMI tenha lhe tirado o que lhe restava de otimismo.

    O estudo dos economistas Hans Grüner e Markus Brückner, realizado a partir de dados de 16 países da OCDE entre 1970 e 2002, parece dar razão a Varoufakis quando conclui que uma redução de 1% na taxa de crescimento econômico tende a elevar em 1% a participação dos partidos de extrema direita no total de votos. O crescimento recente nas pesquisas de intenções de voto de um candidato que faz apologia pública à tortura sugere que o Brasil não foge à regra.

    No livro "The Moral Consequences of Economic Growth", o professor de economia política de Harvard Benjamin Friedman parte de vasta evidência histórica para defender que o crescimento econômico não é um facilitador apenas de melhorias materiais, mas também da liberdade, da tolerância, da justiça e da democracia. A estagnação e a prosperidade mal distribuída, ao contrário, tenderiam a fomentar o aumento da violência e o surgimento de ditaduras.

    Friedman trata, no entanto, de uma importante exceção à regra. Nos anos de 1930, os Estados Unidos conseguiram fortalecer os valores democráticos em meio à Grande Depressão. O autor atribui essa sorte ao New Deal do presidente Roosevelt, que qualifica como uma tentativa de "espalhar a oportunidade econômica o mais amplamente possível". Considera que, em vez de procurar "bodes expiatórios para excluir", o caminho escolhido foi "deliberadamente pluralista e inclusivo", com o objetivo não somente de restaurar a prosperidade econômica mas de criar maior igualdade de oportunidades.

    Ainda que hipóteses históricas nunca sejam universais, como apontou o historiador Alexandre Gerschenkron, a opção por não realizar uma reforma tributária e por abandonar os investimentos públicos em prol da implementação de políticas recessivas e excludentes –no governo Dilma Rousseff e, mais ainda, em um eventual governo Temer sem legitimidade– parece, no caso brasileiro, nos tirar do caminho da exceção e nos colocar na espiral descendente do agravamento da crise econômica, do aumento da intolerância e do enfraquecimento da democracia.

    *

    "O Minotauro Global", livro de Yanis Varoufakis que trata do papel central dos Estados Unidos e de Wall Street na absorção dos produtos e do capital financeiro globais entre o fim do sistema de Bretton Woods e a crise de 2008 –ano em que são desnudados os graves desequilíbrios da economia mundial que ainda prejudicam sua retomada–, acaba de ser lançado no Brasil pela editora Autonomia Literária.

    laura carvalho

    Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve às quintas-feiras.

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