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    Laura Carvalho

    PPI pode ajudar a capturar dinheiro público para interesses privados

    22/09/2016 02h00

    Pedro Ladeira/Folhapress
    O presidente Michel Temer realiza reunião sobre o PPI (Programa de Parceria em Investimentos), no Palácio do Planalto.
    O presidente Michel Temer realiza reunião sobre o PPI (Programa de Parceria em Investimentos) no Palácio do Planalto

    O ex-deputado Eduardo Cunha, em entrevista ao jornal "Estado de S. Paulo" no domingo (18), em ação típica da briga de facções do PMDB carioca, buscou intimidar desafetos lembrando que "quem conduziu toda a negociação e abertura de financiamento, em conjunto com o prefeito do Rio [Eduardo Paes], foi o Moreira [Franco]". O atual secretário do Programa de Parceria de Investimentos (PPI) do governo Temer seria o responsável pela disponibilização do Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS) da Caixa para as obras do Porto Maravilha. "Esse programa de privatização começa com risco de escândalo", ameaçou Cunha.

    No dia seguinte, em reunião em Nova York, Moreira Franco esforçou-se para jogar para debaixo do tapete as acusações de Cunha sobre eventuais irregularidades nos tempos –nada longínquos– em que era vice-presidente da Caixa e distribuiu aos investidores estrangeiros um documento de propaganda do PPI em que trata a "insegurança jurídica, a instabilidade regulatória, a má gestão e a intervenção excessiva do Estado" como águas passadas no Brasil.

    Segundo o mesmo documento, o fracasso na atração de fundos para o programa de concessões ao setor privado nos diversos setores de infraestrutura nos últimos anos seria o resultado da "miopia ideológica e do oportunismo político" do governo anterior, do qual Moreira Franco participou ativamente até a consolidação do golpe parlamentar. Parece, porém, pouco razoável que a instabilidade política e institucional do país, combinada à falta de sinais claros de retomada da economia e aos escândalos de corrupção envolvendo membros do governo, avalize a segurança prometida aos investidores.

    Assim como em todos os países do mundo, há enorme dificuldade em se obter diretamente no mercado o financiamento de longo prazo necessário para a realização de obras de infraestrutura. Assim, apesar de ter reduzido o teto de participação do BNDES no total financiado e eliminado o empréstimo-ponte que ocorria antes do início das obras, o programa apresentado ainda prevê que um total de R$ 30 bilhões seria disponibilizado por bancos públicos para as concessões, dos quais R$ 12 bilhões do FI-FGTS da Caixa. Além disso, o BNDES, Banco do Brasil e Caixa assumiriam todo o risco na emissão de debêntures dos potenciais interessados.

    No que tange a rodovias, ferrovias, portos e aeroportos leiloados, as mudanças em relação ao Programa de Investimento em Logística (PIL), anunciado há um pouco mais de um ano pelo governo Dilma, são ainda mais marginais. Resta saber se a prioridade nos leilões será dada à menor tarifa, ao compromisso de investimentos ou à geração de receita fiscal no curto prazo.

    Mesmo se os investimentos fossem priorizados —o que não parece ser o caso dado o cancelamento pelo governo de negociações em andamento para a renovação de contratos de ferrovias com contrapartida imediata em investimentos—, a maior parte dos leilões seria realizada somente a partir de meados do ano que vem. O início das obras seria ainda mais tardio.

    A palavra cachorro não late nem morde. Não adianta simplesmente chamar o programa de Projeto Crescer. Reduzir as esperanças de retomada do crescimento na remodelagem de uma agenda que fracassou nos últimos anos, e demoraria mais alguns anos para surtir efeito caso fosse bem-sucedida, parece atender apenas aos interesses dos que continuam a atuar em favor da captura do Estado brasileiro por interesses privados. E Eduardo Cunha deve saber do que está falando.

    laura carvalho

    Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve às quintas-feiras.

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