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    Laura Carvalho

    Causas da inflação dão nó no debate econômico

    16/02/2017 02h00

    Alan Marques/Folhapress
    Presidente do BC, Ilan Goldfajn, comanda a reunião do Copom
    O presidente do BC, Ilan Goldfajn, comanda reunião do Copom

    Em entrevista à revista "Época" sobre o debate suscitado por seus textos sobre a alta taxa de juros brasileira, o economista André Lara Resende –um dos pais do Plano Real– nos alertou para o que chamou de conservadorismo intelectual histórico.

    "Rudiger Dornbusch, meu professor do MIT, sempre questionou o que ele considerava minha insistência em dar atenção a argumentos não convencionais sobre inflação", contou.

    Noves fora os interesses que permeiam o tema dos juros e a eventual patrulha apontada por Elio Gaspari, a natureza dos diversos processos inflacionários, além de ter causado grandes mudanças de paradigma, ainda parece ser um dos maiores entraves ao diálogo entre economistas.

    A estagflação dos anos 1970 nos EUA, por exemplo, levou ao enfraquecimento temporário das teorias baseadas na chamada Curva de Phillips, que estabelecem uma relação negativa entre taxa de desemprego e de inflação. O monetarismo de Milton Friedman, que disse certa vez que "a inflação é sempre e em toda parte um fenômeno monetário", ganhou espaço naquele contexto.

    Já em decadência há algumas décadas, o monetarismo em sua versão extrema vive hoje um recorde de baixa popularidade: a expansão monetária realizada pelos bancos centrais de países ricos após a crise de 2008, e as baixas taxas de inflação que ainda vigoram por lá, se encarregaram de enterrá-lo.

    Na Teoria Fiscal do Nível de Preços resgatada por André Lara, a inflação responde não à quantidade de moeda em circulação, mas ao estoque de endividamento público. Se o governo gasta mais do que arrecada, a taxa de inflação sobe, de modo a manter a dívida pública constante em termos reais. Assim, uma elevação de juros que aumente a dívida pública poderia ter efeitos inflacionários.

    A elegância da teoria e a conexão –sempre interessante– entre os efeitos das políticas fiscal e monetária não escondem a falta de evidência empírica em seu favor. Afinal, os mesmos países que expandiram muito o estoque de moeda no pós-crise sem nenhum efeito inflacionário passaram por um forte aumento da dívida pública.

    Nem toda inflação é igual ou causada pelos mesmos fatores. Olhar para os dados e para as nossas particularidades é fundamental para arejar o debate.

    Após um período de alta inflação de serviços, devido à queda do desemprego e ao crescimento acelerado dos salários –o custo mais relevante para esses setores–, evoluímos para uma inflação puxada sobretudo pelos preços administrados, que subiram mais de 18% em 2015. Sofremos também, em algumas ocasiões, outros choques de custos: por exemplo, altas do dólar, que encarecem insumos importados, e altas de preços de alimentos.

    O traço comum é a forte inércia, que foi objeto nos anos 1980 de estudos do próprio André Lara e de demais economistas que ajudaram a formular o Plano Real. Em um país que nunca se livrou totalmente da alta memória inflacionária e da indexação de contratos, choques e elevações localizadas de preço tendem a contaminar os demais preços e a persistir no tempo.

    O combate exclusivo via taxa de juros, que mesmo após o fim do câmbio fixo, em 1999, continuou atuando sobretudo pelo canal de câmbio, via atração de capital estrangeiro e valorização do real, parece de fato uma escolha demasiado custosa. Nesse debate, medidas de desindexação de contratos, de estímulo à produtividade e de redução da volatilidade no mercado cambial, por exemplo, merecem um lugar ao sol.

    laura carvalho

    Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve às quintas-feiras.

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