• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 13:31:54 -03
    Laura Carvalho

    Consumo deixa de ser visto como vilão

    31/08/2017 02h00

    Dário Oliveira/Folhapress
    Movimentação intensa de consumidores na rua 25 de Março, na manhã deste sábado (17)
    Movimento de consumidores na rua 25 de Março, em São Paulo

    Passados cerca de três anos desde o início da maior crise econômica da história brasileira, fica cada vez mais claro que estamos diante de um reflexo no espelho do milagrinho vivido em meados dos anos 2000.

    Se o crescimento da economia naquele período veio junto com uma forte criação de empregos formais e uma redução das disparidades salariais entre os trabalhadores da base e do meio da pirâmide, a crise atual atinge sobretudo os trabalhadores menos instruídos.

    Os números mais recentes do mercado de trabalho mostraram que o pequeno recuo na taxa de desemprego entre abril e junho de 2017 —de 13,7% para 13%— deu-se apesar de uma queda no número de empregados com carteira assinada no setor privado.

    E, mesmo com o aumento no número de trabalhadores domésticos, empregados sem carteira assinada e trabalhadores por conta própria, a taxa de desemprego entre aqueles que não completaram o ensino médio ainda é de 21,8%.

    É verdade que o cenário externo favorável foi fundamental para permitir que o crescimento dos salários, a redução das desigualdades e o aumento dos investimentos públicos em infraestrutura física e social entre 2005 e 2010 se desse com inflação e contas públicas controladas.

    No entanto, um mecanismo importante no crescimento que vigorou naquele período foi a dinâmica virtuosa entre a expansão do consumo dos trabalhadores de baixa renda e o crescimento de setores muito intensivos em mão de obra menos qualificada.

    Em outras palavras, a expansão dos salários na base da pirâmide aumentou muito a demanda por serviços como restaurantes e salões de beleza e dinamizou a construção civil. Como esses setores empregam muitos trabalhadores menos instruídos, o grau de formalização e os salários na base da pirâmide subiam mais ainda, reforçando o processo.

    Muitos trataram de demonizar o crescimento do consumo naqueles anos. Mas o fato é que, ainda que a continuidade daquele processo exigisse outras medidas —de estímulo ao desenvolvimento de setores de maior complexidade tecnológica e maior crescimento da produtividade, por exemplo—, as vendas maiores foram capazes de levar empresários de diversos setores a comprar novas máquinas e equipamentos. Com isso, os investimentos cresceram até mais do que o consumo no período.

    Da mesma forma, a alta do desemprego e a queda da demanda elevaram o grau de ociosidade na indústria e nos serviços, contribuindo, junto com o alto endividamento, para derrubar os investimentos privados.

    "Há um ano, todos imaginavam que a economia brasileira poderia voltar a crescer a partir do aumento de confiança, que geraria investimentos, renda e consumo", admitiu o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, em entrevista a esta Folha.

    "Essa ordem está um pouco diferente", percebeu Goldfajn.

    "Para bater no investimento, a confiança tem que passar o obstáculo da capacidade ociosa, que ainda é muito grande", completou o presidente do BC em diagnóstico plenamente compatível com o que há de melhor na macroeconomia keynesiana.

    Se finalmente o consumo das famílias deixou de ser tratado como um vilão, talvez seja a hora de os mecanismos de distribuição de renda merecerem uma segunda chance.

    laura carvalho

    Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve às quintas-feiras.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024