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    Laura Carvalho

    Na escalada das desonerações, deu-se a mão e perdeu-se o braço

    26/10/2017 02h00

    Marlene Bergamo/Folhapress
    PODER - No nono dia da Caravana Pelo Brasil, a ex Presidenta Dilma encontra o ex Presidente Lula em Recife e participa de ato com proteleis na cidade de Ipojuca, polo petrolífero de Pernambuco. 25/08/2017 - Foto - Marlene Bergamo/Folhapress - 017 -
    O ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma em Recife

    Em entrevista ao jornal El Mundo publicada no último domingo (22), o ex-presidente Lula afirmou que o maior erro dos governos do PT "foi exagerar nas políticas de desoneração de grandes empresas". "O Estado deixou de arrecadar para devolver aos empresários, e em 2014 saía mais dinheiro do que entrava", completou.

    A autocrítica já havia sido feita pela ex-presidente Dilma Rousseff em entrevista ao The New York Times em abril: "uma coisa que eu não teria feito seria aprovar amplas desonerações tributárias. Eu fiz aquilo baseada na crença de que as empresas investiriam mais para gerar mais empregos. Mas não foi o que aconteceu: as empresas aumentaram seus lucros sem investir mais".

    O governo Lula implementou diversas medidas de desonerações tributárias. Em particular, o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) previa uma série de desonerações voltadas para o setor da construção, de infraestrutura pesada e de alta tecnologia (computadores, semicondutores, equipamentos para televisão digital).

    Além disso, em resposta à crise global, o governo implementou em dezembro de 2008 uma política de redução de IPI sobre automóveis, que visava evitar um acúmulo de estoques na indústria. Tal política acabou sendo estendida, em 2009, para setores de bens de consumo duráveis, materiais de construção, equipamentos, móveis e alimentos.

    Mas foi durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff que a política de desonerações ganhou centralidade na política econômica. Não se tratava mais de uma medida para o combate à crise e sim de um dos principais eixos das políticas fiscal e industrial do governo.

    As primeiras medidas tributárias de desoneração para incentivar setores econômicos foram criadas no Plano Brasil Maior, anunciado em agosto de 2011. O Plano previa a redução de IPI sobre máquinas e equipamentos, materiais de construção, caminhões e veículos, a concessão de créditos tributários para exportadores e a chamada desoneração da folha de pagamentos.

    Apesar do fraco desempenho da economia e da aparente ineficácia dos incentivos concedidos em gerar expansão da produção industrial, dos investimentos e do consumo, o governo aumentou o número de setores beneficiados. A redução de IPI, por exemplo, que inicialmente tinha validade até 31 de agosto de 2012, foi prorrogada diversas vezes e acabou durando até 31 de dezembro de 2014.

    O caso da política de desoneração da folha salarial é ainda mais emblemático. O objetivo da política era, supostamente, manter empregos e elevar a competitividade nos setores da indústria mais intensivos em trabalho por meio da redução dos custos com a mão de obra.

    Mas de acordo com os dados da Receita Federal, os setores de transporte e construção juntos tinham em fevereiro de 2014 mais trabalhadores incluídos no regime desonerado do que o conjunto de ramos da indústria de transformação. A consequência foi a elevação do custo anual da desoneração da folha de 0,08% do PIB em 2012 para 0,25% do PIB em 2014.

    Se hoje parece haver consenso de que a ampliação da política de desonerações não obteve os resultados almejados e contribuiu para deteriorar a situação fiscal do país, ainda não está claro o quanto tratou-se de uma escolha da equipe econômica e o quanto foi fruto de negociações com representantes desses setores que, ao ganhar a mão, quiseram o braço.

    Se a autocrítica dos ex-presidentes apontam na primeira direção, a dificuldade de eliminar tais políticas no Congresso sugerem o contrário.

    laura carvalho

    Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve às quintas-feiras.

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