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    Laura Carvalho

    Banco Mundial não propôs ajuste justo

    30/11/2017 02h00

    Adriano Machado/Divulgação
    Martin Raiser, diretor do Banco Mundial para o Brasil crédito: Adriano Machado/Divulgação DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
    Martin Raiser, diretor do Banco Mundial para o Brasil

    No relatório intitulado "Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil", o Banco Mundial realizou um diagnóstico do que sua equipe técnica —e os economistas de dentro e de fora do governo consultados— consideram ser os principais desafios fiscais brasileiros.

    No resumo executivo das primeiras páginas do documento, um parágrafo chama a atenção:

    "A princípio, a redução dos gastos não é a única estratégia para restaurar o equilíbrio fiscal, mas é uma condição necessária. (...) Certamente, há escopo para aumentar a tributação dos grupos de alta renda (por exemplo, por meio de impostos sobre a renda, patrimônio ou ganhos de capital) e reduzir a dependência dos tributos indiretos, que sobrecarregam os mais pobres. (...) Tais medidas não são discutidas em detalhe neste relatório, mas deveriam fazer parte da estratégia de ajuste fiscal".

    Em outras palavras, apesar de admitir que há outros caminhos possíveis para o "ajuste justo", o estudo encomendado não desviou do que já vem dominando o debate econômico desde 2015: elencar formas variadas de conter despesas com serviços públicos e benefícios sociais.

    Para justificar a exclusão, o texto afirma que, "em relação a outros países latino-americanos, o Brasil possui uma alta carga tributária e grandes gastos sociais. O rápido crescimento das receitas durante os anos 2000 camuflou um aumento igualmente rápido das despesas, impulsionado por fatores estruturais (...). Embora a receita decrescente e as altas taxas de juros entre 2014 e 2016 tenham influenciado esse resultado, o rápido crescimento das despesas primárias foi o motivador estrutural da deterioração fiscal".

    Ou seja, o ajuste fiscal tem de se dar pela via do corte de gastos sociais por duas razões. Primeiro, porque o nível atual desses gastos seria alto se comparado ao de outros países da América Latina.

    Além de ignorar o tamanho de nossa população, a frase sugere que a sociedade brasileira não tem a possibilidade de realizar uma escolha democrática por uma rede de serviços públicos e de proteção social mais em linha com a de países ricos e de cobrar mais impostos no topo da pirâmide, por exemplo.

    Segundo, porque o crescimento mais acelerado das receitas nos anos 2000 teria apenas camuflado o crescimento estrutural das despesas.

    A desaceleração teria trazido à tona a realidade: as receitas estão condenadas a crescer menos que as despesas. Em outras palavras, os anos 2000 seriam a exceção, a estagnação da economia brasileira é a regra.

    É verdade que os anos 2000 foram marcados por um boom de commodities que beneficiou a arrecadação do governo e que as despesas com benefícios sociais cresceram acima do PIB ao longo das últimas décadas. Mas o que vai condenar a economia brasileira a reproduzir o desempenho pífio das receitas que teve entre 2011 e 2016 é, em parte, a estratégia analisada pelo relatório.

    Afinal, o estudo prevê que, para o cumprimento do teto de gastos, seria necessário reduzir o Orçamento do governo federal em 25% na próxima década. Mesmo com a aprovação da reforma da Previdência e das demais medidas impopulares sugeridas no texto, os cortes ficariam aquém desse patamar.

    Enquanto o teto não for revisto —o que as entrelinhas do relatório mostram que ocorrerá mais cedo ou mais tarde—, os investimentos em infraestrutura, ciência e tecnologia e outras rubricas essenciais terão de cair ainda mais, prejudicando o crescimento e o próprio sucesso do ajuste. Diante disso, é uma pena que o documento não tenha oferecido alternativas mais justas e realistas.

    laura carvalho

    Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve às quintas-feiras.

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