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    Leandro Narloch

    Legalizar o comércio nos presídios evitaria guerras entre facções

    04/01/2017 10h33

    Se você precisar cortar o cabelo ou fazer um lanche no centro de La Paz, na Bolívia, pode optar pela prisão de San Pedro, a maior do país. Os presos dali não só trabalham como são empresários e proprietários. Mantêm salões de beleza, mercearias, lanchonetes, lojas de artesanato e até pousadas.

    A prisão de San Pedro reproduz a sociedade do lado de fora. Tem propriedade privada, comércio e desigualdade. Uma imobiliária aluga espaços para os novatos. Na seção mais cara, há televisão e geladeira. A cela mais barata é tão feia e insalubre quanto nas prisões brasileiras.

    Os presos bancam e se encarregam da própria alimentação, fazem suas regras e resolvem conflitos por meio de comitês. Guardas ficam apenas do lado de fora, vigiando o perímetro da cadeia. Mulheres e crianças costumam viver com os internos.

    Comparada a San Pedro, as penitenciárias de Manaus onde houve o massacre esta semana são experimentos soviéticos. Não têm direito de propriedade, o empreendedorismo é crime, o governo é o único empregador.

    A ideia de que o comércio pacifica é antiga e frequentemente confirmada. "Fazer negócios tem um efeito conciliatório", dizia o iluminista Voltaire. "Parceiros de comércio não entram em guerra e aceitam diferentes pontos de vista." O intercâmbio torna pequenos lucros repetidos no longo prazo mais valiosos que roubos ou pilhagens.

    Além disso, se você depende dos vizinhos para obter a farinha do pão francês ou consumidores para sua fábrica de carros, evitará contrariá-los e vai torcer para que ninguém declare guerra a eles. Como diz o psicólogo Steven Pinker em "Os Bons Anjos da Nossa Natureza", "se você está trocando favores ou excedentes com alguém, de repente seu parceiro de troca torna-se mais valioso vivo que morto". Ao criar laços de interdependência, o comércio é uma força (nem sempre vencedora) em direção à paz.

    Nas prisões brasileiras, a ausência de um mercado legalizado impede que os presos cooperem entre si e dependam uns dos outros. A violência se torna a única fonte de lucro; homens que poderiam ser parceiros de negócios viram membros de facções rivais. Os violentos ganham vantagem sobre os que servem bem a clientela.

    Há décadas ficamos pasmos diante de degolas e massacres em penitenciárias. Há décadas repetimos que é "preciso mais investimento do setor público" ou "mais controle sobre os internos". Talvez seja hora de desistir de ilusões de planejamento central e deixar o empreendedorismo e o comércio pacificarem as prisões brasileiras.

    leandro narloch

    Jornalista, mestre em filosofia e autor do "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil", entre outros. Escreve às quartas.

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