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    Leandro Narloch

    O Brasil precisa de um grito da interdependência

    06/09/2017 07h25

    Seokyong Lee/Bloomberg
    ORG XMIT: 120101_0.tif Chassis de carros na fábrica de Hyundai em Asan (Coreia do Sul). *** Hyundai Motor Co. automobile frames are stacked at the company's factory in Asan, South Korea, on Wednesday, April 21, 2010. Hyundai Motor Co., South Korea's largest automaker, is expected to release first quarter earnings today. Photographer: Seokyong Lee/Bloomberg
    Fábrica da Hyundai em Seul; o carro é um símbolo da interdependência e da combinação de ideias

    Eis uma contradição interessante: o conforto e o tempo livre que milhões de brasileiros desfrutarão neste feriado da Independência só são possíveis por causa da interdependência.

    Só porque bilhões de pessoas de todo o mundo cooperam entre si, se especializando em alguma atividade e trocando o resultado, é que podemos nos dar ao luxo de passar alguns dias sem produzir, sem trabalhar e gastando o salário com churros e caipirinha na praia.

    Não quero questionar a importância do Sete de Setembro —a data marca o dia em que brasileiros conquistaram o direito de legislar sobre si próprios. Mas se a independência política é uma conquista, a independência econômica é uma maldição, o caminho certeiro para a miséria.

    O carro que muitos brasileiros usarão para viajar neste feriado é uma deslumbrante combinação de ideias, materiais e trabalho de pessoas dos mais diversos países e épocas. Usa resinas plásticas inventadas no século 20 e fabricadas com petróleo sabe-se lá de onde, minério de ferro brasileiro ou australiano, rodas inventadas há 6.000 anos, um motor de combustão que em si próprio é uma mistura de invenções dos últimos três séculos.

    O carro só é possível porque a especialização e o comércio criam o "sexo entre ideias", como diz o escritor Matt Ridley.

    Pois imagine se você fosse obrigado a produzir um carro de forma independente —ou, muito menos que um carro, um simples retrovisor. Levaria meses tentando entender o processo da produção de vidros e espelhos. Precisaria estudar a extração de petróleo, a transformação do óleo em resinas, montar fornos e máquinas de injeção plástica.

    Se algum dia conseguisse dominar todo o conhecimento necessário, gastaria muito mais que o valor de um carro completo para produzir um de seus componentes.

    É por isso que países e indivíduos que insistem na autossuficiência e na independência econômica têm a pobreza como destino. Gastam recursos demais para produzir coisas que poderiam obter com mais facilidade pelo intercâmbio. Ficam de fora da suruba global de ideias e inovações.

    A interdependência ainda é uma força em prol da paz. Brasileiros terão menos vontade de abrir as comportas e inundar a Argentina se dependerem dos vizinhos para conseguir trigo, carros ou suco de pêssego. Chineses têm mais incentivos para se preocupar com a paz e a prosperidade do Brasil se tiverem propriedades por aqui ou se dependerem de nós para obter carne, minério ou aviões. O comércio entre países faz os pequenos e repetidos lucros superarem o butim conquistado por guerras e pilhagens.

    Tenha um bom feriado neste Sete de Setembro —e agradeça à interdependência econômica por poder comemorar nossa independência política.

    leandro narloch

    Jornalista, mestre em filosofia e autor do "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil", entre outros. Escreve às quartas.

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