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    Leandro Narloch

    'Rent seeking', o comportamento que explica o Brasil

    01/11/2017 07h41

    A luta dos taxistas contra o Uber, a pressão dos deputados para ampliar o Refis, a propina das empreiteiras à Petrobras, o dinheiro fácil do BNDES para a JBS: não há um dia em que alguma notícia de jornal não revele mais um caso de "rent seeking", comportamento que tem um potencial enorme para explicar o Brasil.

    "Rent seeking" é a atividade de conquistar privilégios e benefícios não pelo mercado, mas pela influência política. Numa sociedade de "rent seeking", indivíduos concorrem para ganhar favores de políticos, e não para lucrar oferecendo a clientes produtos e serviços melhores ou mais baratos.

    Os privilégios variam: crédito subsidiado, patrocínios, tarifas de importação que deixam concorrentes estrangeiros fora do páreo, regulamentações profissionais que aumentam a barreira de entrada de novos concorrentes, pensões, contratos superfaturados.

    Já o discurso que os grupos utilizam para nos convencer que merecem privilégios segue um padrão mais ou menos assim: "Nós somos os X, acreditamos que Y, por isso o governo deve nos conceder benefícios".

    Pedro Ladeira/Folhapress
    Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, durante votação de proposta de reforma política, nesta quarta
    Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, durante votação da reforma política

    Substitua "X" por qualquer minoria organizada: empreiteiras, grandes indústrias nacionais, cineastas, índios, deputados, funcionários públicos, militares, sem-teto.

    Em "Y", insira uma justificativa que faça o interesse privado se disfarçar de interesse público: "somos importantíssimos para a soberania brasileira", "é preciso proteger a indústria nacional", "nossos ancestrais foram oprimidos", "queremos evitar a concorrência desleal", "é preciso fomentar a cultura local", "somos vítimas da especulação imobiliária".

    Nem sempre a minoria que adota esse discurso tem consciência do que faz. Muitos taxistas se movem por uma preocupação legítima em manter o emprego, por exemplo. Mas o resultado de suas ações é o mesmo: o privilégio a 1% da população à custa dos outros 99% que se beneficiariam com mais competição no transporte urbano.

    Um caso irritante de "rent seeking" envolveu a Braskem, que pertence ao grupo Odebrecht e à Petrobras. Como a Braskem controla o mercado nacional de resinas plásticas, era de se esperar que o governo diminuísse tarifas de importação para evitar o monopólio. Em 2012, porém, a presidente Dilma elevou a taxa de importação de 14% para 20%. Milhares de empresas plásticas reclamaram que a alíquota daria ainda mais poder para a Braskem controlar o preço das resinas (que, de fato, ficaram 27% mais caras no ano seguinte).

    A economista Anne Krueger, no artigo de 1974 em que cunhou o termo "rent seeking", alertou para um efeito dessa prática: o ressentimento contra o capitalismo. As pessoas tendem a questionar um sistema que premia não os mais produtivos ou talentosos, mas os sortudos que são "amigos do rei" ou se mantêm por privilégios concedidos pelo governo.

    Outro efeito nocivo é a desigualdade ruim, aquela causada por privilégios e não pelo talento. Em "O Preço da Desigualdade", Joseph Stiglitz afirma que o "rent seeking" é uma causa relevante de concentração de renda principalmente na América Latina. Os supersalários de juízes são só um entre tantos exemplos.

    Um país caro, fechado a importações, que exige diploma para qualquer profissão, desigual, ressentido contra o capitalismo e onde empresas disputam favores de políticos. "Rent seeking" tem tudo a ver com isso.

    leandro narloch

    Jornalista, mestre em filosofia e autor do "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil", entre outros. Escreve às quartas.

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